30 de agosto de 2010

A Gazeta das Caldas de 20 de Agosto, pg. 18 e 19, noticiava a morte de Figueiredo Sobral, artista plástico, que conviveu, nas Caldas da Rainha com a reduzida, mas significativa, comunidade artística desta cidade, havendo, ainda, no Inferno da Azenha, um mural da sua autoria. Muita gente se recorda dele, das festas que dava em sua casa, nomeadamente um casal caldense com quem me cruzei, conversando sobre a obra de Armando Correia.
Nessa altura, há talvez uns três meses, tentaram eles, seus amigos, indagar do seu estado de saúde e então soubemos que não seria possível conversar com ele, precisamente sobre o período em que o Armando trabalhou com e para ele, porque tinha perdido a fala havia poucos dias. Mais uma memória que o tempo me impediu de registar. Mas, falar das pessoas, através dos seus amigos e conhecidos, é, sem dúvida, conhecê-las também. À fraca recordação que me restava de Figueiredo Sobral, juntaram-se episódios por ele vividos, sempre controversos, as suas piadas, as peripécias com amigos e companheiros de trabalho, descrições das festas na Rua Leão Azedo e tantas outras curiosidades relacionadas com os seus clientes e com os materiais que usava, incluindo as técnicas inovadoras que trouxe para trabalhar o ferro. A isto se referiu, por exemplo, o Renato, entretanto desaparecido.
Na altura, também tive oportunidade de falar com quem, por feliz coincidência, se cruzou com uma camioneta que descarregava num caixote do lixo, material que lhe chamou a atenção e o fez parar. Era o resto de tudo o que havia sido abandonado na casa onde residira Figueiredo Sobral. Livros, esboços, pinturas, jornais e muita tralha, tudo havia sido considerado lixo por alguém, certamente, desconhecedor destas preciosidades, de imediato valorizadas por alguém mais sensível que, a tempo, ainda resgatou algumas do fogo e do caixote .
Das notas que fui recolhendo, escrevi, talvez em Maio deste ano, o pequeno texto que agora acho oportuno inserir neste blog.

Nos finais dos anos 60, e até metade da década de 70, havia na Rua Leão Azedo três ateliês pertencentes a Figueiredo Sobral. Eram eles de cerâmica, de tapeçaria e de metais.
As encomendas eram muitas e vinham quase todas do estrangeiro, sobretudo dos Estados Unidos da América. Quando chegavam os pagamentos das obras, havia convívios, que Figueiredo Sobral e a sua esposa, Quina Sobral, também pintora, partilhavam com muitos amigos.
Festejava-se e comia-se do melhor.
A nata da comunidade de intervenção vinha diligente e sem alarido, até às Caldas. Carlos Paredes, Natália Correia, entre outros, eram assíduos. Os bonecos de Santo Aleixo também para lá eram chamados e faziam o seu papel de bonecreiros descarados.
Com o 25 de Abril tudo começou a acabar. O grande promotor dos ateliês e das festas partiu para o Brasil, atrás dos clientes. Partiu de barco pelo horror que tinha a aviões. Partiu e deixou tudo, diz quem sabe e viu. Ficou a casa mobilada e grande espólio e acervo de obras e rascunhos. Entretanto, tudo desapareceu. Quase tudo. Houve alguém que conseguiu livrar da fogueira alguns apontamentos e algumas relíquias.
De Figueiredo Sobral, directamente, nada mais podemos saber. De há umas semanas para cá, perdeu a fala, não reconhece ninguém e de nada se lembrará. Fica, assim, uma estória interminada à qual só se poderão acrescentar contributos, de quem com ele conviveu, nomeadamente da pequenita que acompanhava o pai aos ateliês e às festas e que tinha a sorte de receber, pelos anos e pelo Natal, miniaturas feitas pelo artista ou pela Quina. Hoje, com mais de 50 anos, ela lembra esses tempos como tempos de deslumbramento e êxtase.