22 de novembro de 2008

Cobras e lagartos


Foto de Margarida Araújo - 20 de Novembro 2008
Sobre a mesa que a Isabel Castanheira decorou com alusões a Bordalo, estava um lagarto verde e luzidio, criação do Mestre. Lagartos, rãs e cobras são alguns animais de pele viscosa que adornam as suas peças ou que, muito simplesmente, vivem per si.
Estes animais estão especialmente ligados à tradição popular. O lagarto ou sardão é considerado amigo do homem, enquanto a cobra se inclina mais para a mulher. Ambos têm faculdades divinatórias. As rãs são consideradas animais lunares. Propiciam a chuva e a fertilidade. Nos contos tradicionais aparecem às mulheres que não podem ter filhos.

O lagarto tem a particularidade de entrar em várias rezas que afastam mazelas como papeira, sezões, dores de dentes, névoa nos olhos ou para quando se apanha veneno de animal, e, quem sabe? de algum sádico:


Eu te benzo,
Aranha, aranhão,
Cobra, cobrão,
Sapo, sapão,
Lagarto, lagartão,
Eu te talho,
A cabeça, o rabo e o coração,
Bicho de maldição!
recolhida em Costantim, Bragança, Miranda do Douro
Agradeço à Guidó a gentil cedência da foto.

20 de novembro de 2008

Maria Paciência, Bordalo e Isabel Castanheira autores de O Parque das Caldas da Rainha

Foto de Margarida Araújo

A Isabel travestiu-se de Maria Paciência e procurou Bordalo pelos sítios onde ele sempre se perdia, observando, escrevendo, desenhando, modelando. E depois, juntou-se aos dois e criou o artifício de fantasiar a escrita de um livro sobre o parque das Caldas. Fez-nos viajar pelo lago, pelo clube, pelo coreto, enfim, por sítios que hoje já fazem parte da nossa memória, uns desaparecidos, outros transformados.
Não foi só a técnica da apresentação que prendeu os assistentes, sim de tão apelativa que estava, com bonecos a mexerem-se em todo o écran ou Maria Paciência e Bordalo armados em protagonistas, esvoaçando, correndo, mergulhando em folhas e folhas que se sucediam no écran.
Foi também ela, os gestos e o olhar que denunciaram a paixão com que nos ensina Bordalo.
E assim, como diz Isabel, lembrando-o e divulgando-o, ele não morrerá, mesmo que seja maltratado ou pouco bem tratado por alguns.
Nota: Um obrigada especial à Guidó, pela amável e voluntariosa cedência desta foto.

Isabel Castanheira

Hoje, Isabel Castanheira leva-nos a passear pelo parque das Caldas da Rainha, de mão dada com um dos seus apaixonados, Bordalo Pinheiro.
Para quem não sabe quem é, para os que estão longe das actividades culturais caldenses, a Isabel da 107, como é conhecida; 107 é o seu tesouro e a nossa livraria, é uma amante e divulgadora de livros. Organiza serões onde nos dá a conhecer autores e vidas de livros. Tem uma livraria que nos convoca permanentemente para celebrarmos datas e dias, sempre servidos de beijinhos das Caldas e outras coisas boas.
A Isabel é também uma amante e especialista de Bordalo. Fala dele como se fala de um grande amigo e hoje até quer partilhar os caminhos que ambos palmilharam, com a comunidade caldense.

18 de novembro de 2008

Ter Nome é SER

A lenda de Nossa Senhora da Luz (Cós) nunca identifica a formosa e nobre senhora (adjectivos deste género são fundamentais neste tipo de lendas) como sendo da luz, da oliveira ou do vale. Ela aparece para ajudar a pobre aldeã (estes também: pobre, humilde, velhinha, inocente, piedosa) e, perante a  recusa desta: Não haveis vós de me vir ajudar a apanhar lenha, quis a Senhora ensinar-lhe o caminho da chave perdida e da água milagrosa: Catarina, vem cá que eu te darei a tua chave que perdeste. Note-se o contraste nas formas de tratamento, assunto de que não me ocuparei agora. Falo, antes, da importância de designar os nomes, neste caso, Catarina e Senhora da Luz.
A piedade dos devotos deu à Virgem neste lugar o título de Nossa Senhora da Luz, diz a lenda escrita. Sem os nomes, a Senhora nunca poderia ser nomeada nem venerada. E Catarina nunca teria sido conhecida, lembrada e designada como aquela a quem a Senhora concedeu o dom de A ver. 
De facto, como diz Almada Negreiros em Nome de Guerra, "proceder como anónimo é contra as regras do jogo". E, como diz Ana Paula Guimarães: ... a integração social pressupõe a necessidade de um nome, civilmente o ser só existe depois do nome dado, como se fosse ele a fecundar o homem de sociabilidade, a ligá-lo a uma memória e a organizar a existência humana numa teia de relações.
Porque o nome é a garantia de que se é, entre o acto de nascer e o acto de dar o nome, a muitas crianças era emprestado o nome de Custódio (a), como o anjo da guarda. Era uma forma de as proteger da errância e, em caso de morte, de as livrar do limbo.

Todas estas reflexões a propósito da leitura de NÓS DE VOZES - Acerca da Tradição Popular Portuguesa - Nós e os nomes (pg.19-33) de Ana Paula Guimarães.

17 de novembro de 2008

Fonte Santa

Em 1890, José Francisco Barreiros Callado escreveu a Lenda de Nossa Senhora da Luz, venerada e festejada na freguesia de Cós - Porto de Linhares - a 16 e 17 de Novembro.

Sempre que Maria faz a sua aparição na Terra, eis que uma fonte jorra água cristalina e santa.

16 de novembro de 2008

16 e 17 de Novembro em Porto de Linhares (Cós)

Porto de Linhares - Igreja da senhora da Luz - séc.XVII - Novembro 2008

Diz a lenda: Andava uma pobre velhinha a apanhar lenha, no que seria um enorme bosque, nos inícios do século XVII, num lugar designado por Vale de Deus, para os lados de Cós (Alcobaça), quando uma bela Senhora lhe apareceu a querer ajudá-la. Surpreendida, a dita aldeã recusou. Noutra ocasião,a Senhora voltou e insistiu, mas sem resultado. Insistiu ainda uma terceira vez mas, mudando de táctica, disse: "Catarina, segue-me. Encontrarás a tua chave". Mais espantada ainda ficou a velhinha, pois não havia confessado a ninguém como a apoquentava o facto de ter perdido a chave. Aceitou a sugestão e foi. Aparecida a chave, pediu-lhe a Senhora que escavasse um buraco na terra, ao que a mulher acedeu. Para grande surpresa, daí jorrou uma bica de água. "Vai e diz ao povo que aqui encontrará a cura para os seus achaques". E assim se cumpriu a vontade da Senhora. As curas multiplicaram-se.
Entretanto a fonte quase caíu no esquecimento. Pelo menos, está ao abandono, mas, graças à edificação de uma igreja, muito perto do local das aparições, o sítio é visitado anualmente, a 16 e 17 de Novembro, para homenagear Nossa Senhora da Luz. A data não deixa dúvidas da relação deste culto com antiquíssimos cultos à lua e a Isis, de quem já falámos aqui. Não era só na Primavera que se festejava o renascimento de Adónis, ou Tamouze ou Osíris. Também nesta época se festejava o encontro do corpo de Osíris, pela deusa Isís, aquando da descida aos infernos ou ao interior da terra. O filho simbolizava a semente que fecundaria a Terra, enquanto ela simbolizava a Lua e era festejada a 16/17 de Novembro, dia em que a tal senhora apareceu a Catarina Annes... dizem!
Na realidade, Frei Agostinho de Santa Maria diz que foi em Junho que tal aparição se deu. Mas isto de datas e de lendas nada é certo!
Constata-se, hoje, que o santuário é lugar de romaria de gentes da região e especialmente de nazarenas.



Dentro da Igreja - Novembro 2008

11 de novembro de 2008

Em dia de S: MARTINHO, Lume, Castanhas e Vinho

Quatro castanhas assadas
Quatro pinguinhas de vinho
Quatro beijos de uma moça
Fazem um homem menino.
Quatro castanhas assadas
Quatro pingas de água-pé
Quatro beijos de moça
Põem um homem em pé.
Quatro castanhas assadas
Quatro pingos de aguardente
Quatro beijos de uma moça
Fica um homem contente
Cancioneiro Popular

5 de novembro de 2008

DIA de TODOS-OS-SANTOS III


Ainda este ano as crianças e jovens vieram pedir: "Oh tia, dá o bolinho em louvor de todos os santinhos!" A tradição cumpre-se. É uma prática já sem o sentido da partilha, após colheitas, mas continua a ser um bom momento de convívio e de reforço dos laços de vizinhança.

Estes são os bolinhos que ainda se distribuem a vizinhos e amoigos, a 2 de Novembro, na região de Ourém.

1 de novembro de 2008

Doa de TODOS-OS-SANTOS - II

Carvalhal, 1 de Novembro de 2007
"Pão-por-Deus, se faz favor" pedem as crianças, na região do Bombarral.
"Oh tia! dá o bolinho em louvor de todos os santinhos" dizem noutras regiões do centro.

Foto in Carvalhal e... peras - Viagens por Memórias e Paisagens

Dia de TODOS-OS-SANTOS - I


CARVALHAL e DURRUIVOS (Bombarral)


Salta-me à lembrança o dia de Todos-os-Santos, em que, logo de manhã cedo, a garotada começava afluindo à porta da Ti Maria Rosa, com o saquitel na mão, para o Pão-por-Deus. Na véspera havia ali sempre grande azáfama, até alta noite. O forno acendia-se mais que uma vez, para cozer o pão, para abrir pinhas e pinhões e ainda para torrar pevides. Lá ficavam depois, dentro dele, sobrepostas em alcarruma os ramais de fruta branca às talhadas de pêro e de maçã.
Quando éramos pequenos, eu e minha irmã, também tivemos nalguns anos licença para ir ao Pão-por-Deus, mas só a casa da tia Maria Rosa. Nem a qualquer outra poderíamos ir em seguida, porque os nossos saquitos enchiam-se logo ali com toda a casta de guloseimas, desde as pinhas todas abertas a mostrar os pinhões fendidos mas ainda acasalados nos alvéolos das cascas encarquilhadas pelo calor, às cheirosas maçãs e os cachos de uvas passadas à mistura com punhados de nozes, castanhas e figos secos criados na Cerrada, na sua bela propriedade, onde havia de tudo – até cortiços com mel, guardados por diligentíssimas abelhas sempre dispostas a aplicar pontas de fogo em quem as incomodasse.

Júlio César Machado in Ecos do Bombarral, 20 Maio de 1956, nº 28