24 de setembro de 2009

A Babel em construção

A Serra dos Mangues era uma localidade onde as pequenas casas tradicionalmente se protegiam na encosta contrária ao mar. Protegiam-se dos ventos e da maresia. Aproximavam-se do Vale Tifónico, mais fértil e acolhedor. Nessa altura, nestes sítios que ficam entre a Nazaré e S. Martinho, só se falava português.
Agora é uma Torre de Babel que dá guarida a holandeses, alemães, americanos, franceses e ingleses, onde se ouve falar português de quando em quando.
As casas já não se instalam no aconchego da serra. Espalham-se por onde calha, mas sobretudo pelos altos que sejam bem altos e de onde se aviste o mar.




Algumas delas vêm em camiões do estrangeiro e depois são montadas pelos novos habitantes da serra. Talvez por isso há cada vez mais cães e cada vez menos espaço agrícola.


21 de setembro de 2009

Vou deixar de te ver?


Eu já previa que isto ia acontecer. Eles dizem que fica tudo na mesma, que preservam a fachada, que preservam a fachada ... mas a fachada de uns é a traseira de outros!

20 de setembro de 2009

A pouco e pouco eles vão subindo, subindo... e as vistas somem-se!

18 de setembro de 2009

Obras na minha cidade



Comecei a perceber há algum tempo que vou deixar de te ver…

17 de setembro de 2009

Mafalda e o Teatro

Mafalda Saloio tem sulcado nos caminhos da sua vida uma persistente dedicação ao teatro. É por isso que quero falar dela, mas não só. É também porque hoje estreia, no Porto, a peça MANSARDA, do Grupo de Teatro CIRCOLANDO, do qual a Mafalda faz parte. E também porque a aprecio, porque adoro a simplicidade, a espontaneidade e o sorriso com que, de tempos a tempos, me brinda, tocando à campainha, como se estivesse num intervalo dos ensaios, a correr, sempre a correr, a rodopiar entre o Porto, as Caldas e Lisboa, mas sempre apaixonada pela vida.

É uma forte e doce lufada que me entra casa adentro. Verdadeiramente como se estivesse num intervalo, mas ainda com o corpo lá, fazendo gestos largos e abrangentes porque o que mais lhe agrada é o teatro físico, dos objectos, das coisas e da dança. Lembro-me de a ver a cantar no Chiado com o Sr. João, o homem da concertina, sobre quem tanta prosa escreveu. Lembro-me de a ver debruçada sobre esses escritos, agarrada ao mar, no Funchal. Era sempre a coisa que fervilhava no seu ímpeto e as pessoas.
Como cantava bem e dançava Chez Suzette, no marché aux puces de Paris ou no bateau mouche, no Sena! E sempre com pés de veludo, sem alaridos, sem ruídos e com uma enorme competência. Cursava, nessa altuta, na Escola de Jacques Lecoq, uma espécie de escola de mímica, de acrobacias e de trapezistas do improviso (2005-2007).
Mas antes, passou pelas Caldas, onde nasceu, e onde recebeu de Aníbal Rocha, a primeira piscadela de olho para as artes dramáticas. Seguiu-se Ávila Costa, que no grupo de teatro da Faculdade de Letras, de Lisboa, lhe estendeu os braços para o futuro.

Encontrei-a, pela primeira vez, em 1998, na Escola Secundária Raul Proença, entusiasta da vida que o corpo dava às pessoas e às coisas, amante de um teatro sem palavras e preparando o Lugar Vagon. Mais tarde percorreu as margens do Tejo, na Lisboa ribeirinha, à procura de um barco desactivado que servisse de palco a uma nova peça que seria uma viagem para nenhum e todos os sítios possíveis. E conseguiu concretizar o seu processo de busca – trazer o quotidiano para o palco.

Mas a minha intenção não é fazer um CV da Mafalda. É dizer que vale a pena não lhe perder o rasto e ver no Porto, no Teatro Carlos Alberto, ou em Lisboa, no CCB, MANSARDA, a última peça de uma trilogia sobre a Poética da Casa. Os que seguem o Festival de Teatro de Almada lembrar-se-ão dos CIRCOLANDO, tanto em 2008 como em 2009, com o QUARTO INTERIOR.

8 de setembro de 2009

Mercearia Pena

Poder apreciar as excelentes montras da Mercearia Pena é já um grande prazer. Ser surpreendido pela oferta de um cafézinho, vem mesmo a calhar, num sábado em que nas Caldas os veraneantes aproveitam a frescura da Praça da Fruta.

7 de setembro de 2009

Senhora da Gata

O Hotel Gat Rossio preencheu o nicho existente no prédio que restaurou e transformou, na Rua Jardim do Regedor, com esta Senhora da Gata. Vejam-se os pormenores:





















Lembro-me do escândalo que provocou a publicidade das Amoreiras que exibia uma Senhora segurando a alfacinha em vez do Menino. Não sei o que dirão, perante Nossa Senhora da Gata, as vozes que, na altura, a censuraram.
Enfim, no fundo, no fundo, trata-se da Senhora do Gat.

25 de agosto de 2009

S. Bartolomeu, Quem é? - I

Mas afinal quem é este S. Bartolomeu, à sombra do qual se fazem estranhos rituais e que, pelo menos, dia 24 de Agosto, se livra do monstro que tem aprisionado aos pés e vai, em procissão, ao mar, aos riachos ou às fontes?
Segundo a liturgia católica, foi um apóstolo. S. João chama-lhe Natael ou dom de Deus. Era um seguidor de Jesus, culto e amigo de leituras. Preferia ler à sombra das árvores, especialmente da figueira.
No século XIII a lenda sobre o seu martírio expande-se por todo o mundo cristianizado. Esfolado vivo. Por isso, a sua imagem o representa com uma faca na mão e pela mesma razão é o patrono dos curtidores, dos carniceiros e dos encadernadores
[1].
Outra lenda diz que o seu caixão foi atirado ao mar e foi ter a Liparis, na Sicília, o que fez com que o vulcão que tanto atormentava a ilha se tenha afastado da costa
[2].
É representado com um monstro aos pés, tipo cão e por vezes monstro marinho, no qual o povo vê o diabo, acorrentado a uma das suas mãos. Na outra tem uma grande faca ou uma espada. Normalmente é feio. Com o tempo tem vindo a representar-se com um ar mais meigo, mas algumas das imagens antigas assustam. Gosta de galinhas pretas e tem fama de exorcista.
O S. Bartolomeu apóstolo é muito diferente do que o povo venera: o que cura o medo, as epilepsias e os distúrbios mentais; o que emprestava a faca cada vez que um enfermo era atacado por grande enfermidade e a deixava levar para casa[3].
Dizem que foi marinheiro e cultuam-no à beira da água.
Para Moisés Espírito Santo, “o São Bartolomeu português é o Poseídon grego reinterpretado pelo povo; o Poseídon popular dos antigos Pelasgos e dos Fenícios, o senhor dos mares, pai dos rios e antepassado de uma numerosa posteridade de marinheiros.
[4]
[1]José LEITE, S.J.,(Organização) - Santos de Cada Dia, Volume II, Maio-Agosto, Editorial A.O., Braga, 3ª Edição corrigida e aumentada, p. 572-573.
[2] VORAGINE, Santiago de – Leyenda Dourada, Vol II
[3] Na Silveira, concelho de Lajes do Pico, este hábito era comum, mas já entrou em desuso.
[4] ESPÍRITO SANTO, Moisés — Origens orientais da religião popular portuguesa : ensaio sobre a toponímia antiga. Lisboa : Assírio & Alvim, 1988, p.169-171.

24 de agosto de 2009

A Lavoura dos Cães

A 24 de Agosto anda o Diabo à solta com tanto escarcéu que, à sua passagem, levanta o vento em redemoinhos. É mais ou menos isto que se diz e é isto mesmo que acontece.
S. Bartolomeu é o seu guardião o ano inteiro, excepto no dia em que lhe concede esta liberdade de correr Portugal fora. As mulheres zeladoras das igrejas ou capelas em honra do santo têm o cuidado de abrir a porta desde o nascer do sol
até o dia acabar. Só à meia-noite vêm encarcerar, de novo, o monstro que S. Bartolomeu tem aos pés, preso por uma corrente. Mas o mafarrico sabe escolher a rota e não se deixa encantar pelas paisagens de interior, secas e áridas. Prefere o mar, os rios e os ribeiros. Em S. Bartolomeu do Mar (Esposende), a maléfica criatura cura as crianças gagas ou raquíticas que se banhem sete vezes nas ondas do mar e que, depois de passarem por baixo do andor de S. Bartolomeu, ofereçam galinhas pretas ao Santo. Em Cavez (Cabeceiras de Basto), a capelita mais ou menos isolada, enche-se de gente que, para curar quaisquer maleitas do foro psicológico, pega na pequena imagem do Santo e bate com ela na cabeça. A seguir, em procissão, atravessa-se a ponte e vai-se até ao riacho onde todos se aspergem com água da fonte sulfurosa. No Porto, a mesma coisa. Em cortejo alegórico a um tema previamente escolhido, as pessoas vestidas de papel, atiram-se ao mar e banham-se ritualmente.
De todos os S. Bartolomeu’s que conheço e de todos os rituais a que tenho assistido neste dia, o mais surpreendente é o do Rego (Celorico de Basto). Chama-se a Lavoura dos Cães e começa ao pôr-do-sol. Para os mais atentos, já terá sido estranho ver
S. Bartolomeu, em plena procissão, no seu andor, com um cigarro na boca[1]. Mas ver uma série de gente mascarada, andrajosa, desajeitada, armada de paus, a abrir caminho, empurrando os veraneantes, com bastante brutalidade é, mesmo para os useiros, motivo de surpresa, gritaria e espalhafato. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo que os gestos se tornam mais comedidos e até mais delicados, assemelhando-se de tão grande desatino – o semeador que, tanto atira as sementes ajeitadamente à terra, como as arremessa para cima da multidão. E finalmente uma junta de cabras atrelada a uma grade, como se andasse a gradar a terra.

Fotos de Afonso Alves
Simultaneamente, podem passar-se cenas menos ortodoxas. Os guias das cabras podem fazer espichar as postiças mamas com leite pelos espectadores. Estes podem atirar-lhes com líao lançar das sementes à terra. Mas a mascarada, os homens vestidos de mulheres, o desalinho e a algazarra continuam a surpreender, não só pelo inusitado, mas também porque se está num espaço sagrado, de festa. Pior ainda, quando irrompe uma figura toda mascarrada e desnuda assustando e correndo sem nexo, como um foragido. E quando o espectador ainda nem sequer teve tempo de se recompor, surge neste bizarro cortejo uma parelha de cães guiados por um mascarado, a puxar um pequeno arado de madeira, orientado por outro mascarado. Entretanto começa-se a perceber que os mascarados que apareceram em primeiro lugar têm por função arredar a assistência, fazendo da estrada palco e cenário da festa. E surge mais um elemento fundamental para a compreensão quidos mal cheirosos. Um padre que incorpora o cortejo benze a assistência com instrumentos e líquido suspeitos, um estranho casal de noivos vai-se pavoneando e o diabo não pára de fazer diabruras até que surge a figura de S. Bartolomeu, grande e imponente, procurando o diabo que, ao ser amarrado pela corrente que habitualmente o mantém acorrentado, se torna mais dócil.
O cortejo e o caos continuam noite dentro. Só o dia seguinte será um novo dia onde reinará a ordem, o trabalho e o ritmo do quotidiano, mas nada será igual. O tempo profano recomeça depois da ruptura que a festa e o ritual proporcionaram.







"S. Bartolomeu prende o diabo" - Foto de José Pedro, 2006











Foto retirada daqui:http://olhares.aeiou.pt/s_bartolomeu_prende_o_diabo_foto747398.html

[1] Ter-se-á perdido este hábito?

23 de agosto de 2009

Romaria de Nossa Senhora da Agonia

De FESTA NACIONAL DO MINHO a RAINHA DAS ROMARIAS DE PORTUGAL
Desde meados do século XVIII que a imagem de Nossa Senhora da Agonia é venerada em Viana do Castelo, a 20 de Agosto.
A primeira referência escrita ao culto de Nossa Senhora da Agonia data de 1744, mas a Romaria só nasce alguns anos mais tarde, por volta de 1823. Passou a movimentar tanta gente do concelho de Viana e de outras terras vizinhas, mas mesmo tanta gente, calculada, por exemplo, em 1862, em mais de 50.000 pessoas, que, em 1929, o Conde de Aurora, profundo conhecedor do Alto Minho, lhe atribuía o epíteto de A Festa Nacional do Minho. Já antes, em 1873, Pinho Leal escrevia que esta era “a mais concorrida” do Alto Minho e agora já é considerada a “ Rainha das Romarias de Portugal”.
Por efeito de réplica de grandiosidade, a de Lamego, em honra de Nossa Senhora dos Remédios passou a ser chamada de A Romaria de Portugal. Rivalidades à parte, estas são duas das grandes romarias que se fazem em pleno Verão. Como a de Lamego ainda há-se vir, lembro agora, a de Viana, que decorreu, de 8 a 23 de Agosto.
Mesmo antes da festa e da feira terem sido instituídas, já o povo se deslocava à capela da Senhora da Agonia em romaria, ansiando receber as indulgências que os papas e os bispos não se cansavam de atribuir a quem cumprisse com as condições impostas – assistir às missas celebradas em honra de Nossa Senhora da Agonia; rezar em determinados dias, tantas ave-marias, tantas salve rainhas ou tantos pai-nossos. Ao mesmo tempo pagavam as suas promessas e contribuíam fortemente para alimentar as obras que durante um século decorreram na igreja. O sal, as peças de vestuário, os cereais, o gado e o dinheiro que deixavam eram uma mais-valia para os construtores do templo.
Foi assim e com o decorrer do tempo que o culto de Nossa Senhora da Agonia ficou particularmente ligado à comunidade piscatória. A atestá-lo temos o número de ex-votos que aludem a milagres relacionados com o mar, com náufragos e com tempestades. Este aspecto torna-se mais visível no transporte do andor só por pescadores e no percurso que a procissão toma, privilegiando o bairro dos pescadores. É ainda factor relevante da quase “apropriação” do culto pelos pescadores, a procissão fluvial que desde 1968 passou a fazer-se, sendo a imagem conduzida num barco de pesca.
As actividades lúdicas foram crescendo. O arraial, os cantares à desgarrada e, mais tarde, a tourada agradavam a todos.
O brio dos organizadores, a disputa entre eles e a fama da romaria fizeram com que novas actividades fossem introduzidas: cabeçudos e gigantones em 1893, fogo preso em finais do século XIX, a Festa do Traje e a primeira parada agrícola, no início do século XX e o Cortejo Etnográfico, em 1933.
Hoje o programa contempla, para além das celebrações religiosas, manifestações cívicas, cortejos, desfiles, feira de artesanato, arraiais, ruas atapetadas de flores, concertos e muito fogo-de-artifício. A Romaria afirma-se, como festa municipal fundamentalmente desde os anos 30, coroando Viana, rainha e capital do Alto Minho.

6 de julho de 2009

O Rasto e o Rosto da Rainha Santa

Em Portugal, as maiores referências à Rainha Santa, tanto no que diz respeito ao mito, como ao culto, encontram-se ao longo de diferentes eixos geográficos, identificados com percursos que a própria rainha fez. Um estende-se de Bragança a Coimbra e coincide com a entrada de Isabel de Aragão, em Portugal, para esposar o rei D.Dinis; outro estende-se de Lisboa a Coimbra, passando por Leiria, correspondendo ao caminho real medieval e continuando até Valença, dando seguimento ao caminho de Santiago de Compostela que a rainha fez como peregrina. Também Estremoz e Alenquer fazem parte desta rota, correspondendo, respectivamente, ao local onde a rainha faleceu e onde viveu. Por todos estes locais a rainha deixou memórias que contribuíram para criar uma auréola de santa, o que veio a culminar com a criação de um grande número de lendas e de sítios de culto. Na região de Leiria, Monte Redondo dedica-lhe uma festa anual, no mês de Julho. Em Ansião, terra, cujo topónimo, justifica a sua origem, numa lenda atribuída à Rainha Santa, tem quatro capelas e igrejas que lhe dedicam o culto, podendo até falar-se da rota da Rainha Santa. Também Odivelas, Amor (Leiria),Lumiar, Ansião, Almoster, Pataias, Cartaxo e Vila Flor, entre outras, justificam a sua toponímia em lendas etimológicas tendo por origem factos históricos, ou não, nos quais a Rainha é protagonista.
Para completar estes escritos sobre Isabel de Aragão, diga-se ainda que era uma rainha muito culta, da qual se pode falar com conhecimento em muitas fontes escritas, pois deixou inúmeras cartas pessoais e documentos que comprovam a sua importante acção social, como seja a fundação de hospitais (como o de Leiria), de hospícios, albergarias e gafarias (como a de Óbidos).
Agora, sim, para terminar, acrescente-se uma curiosidade: o seu rosto chegou até aos nossos dias, tal como ela própria mandou esculpir no seu túmulo. Não é, portanto, obra da imaginação de artistas, como acontece com o da Rainha D. Leonor, esposa de D.João II, irmã de D. Manuel.

5 de julho de 2009

A lenda das rosas e outras

As muitas lendas que se criaram à volta da Rainha Santa, embora reflictam a implantação popular do mito isabelino, são, muitas vezes, baseadas em relatos biográficos e cronísticos. Elas relatam feitos gloriosos e prodigiosos, sempre com a intervenção miraculosa da Rainha Santa, sendo, a das rosas, o elemento nuclear do mito e do culto. As prodigiosas, em número que atingem meia centena, sublinhe-se a do mausoléu que, ameaçado pelas águas do Mondego, dá um salto e põe-se, miraculosamente, em sítio seguro ou a das águas do Tejo que se apartam para deixar que a rainha vá junto do túmulo de Santa Iria. A nível mágico-terapêutico é de referir a da rainha lavadeira, segundo a qual as águas do rio onde a Rainha lavava os panos do hospital de Alenquer passam a ter eficácia curativa.

Porém, a mais conhecida é a que tornou num ícone de bondade, opondo as virtudes da rainha à crueldade do marido, elevada à categoria de Milagre e, pela primeira vez escrita em 1562, na Crónica dos Frades Menores:
"levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres,
Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,
Ela disse, levo aqui rosas.
E rosas viu el-rei não sendo tempo delas".
Muitas outras versões foram criadas pela imaginação
popular. Numas, as moedas são pão, noutras ouro, enfim, o que se mantém são as virtudes cristãs da rainha e todas estas versões são reivindicadas, simultaneamente, por Leiria e Coimbra.

Imagem retirada daqui. Peça de Rita Matias.

Nota: Os meus trabalhos sobre a Rainha Santa têm-se baseado na observação directa das festas que lhe são dedicadas, em entrevistas através das quais recolho lendas, na leitura do Cancioneiro, em Leite de Vasconcelos e em estudos de investigadores, dos quais relevo Maria Lourdes Cidraes e Maria Lucília Pires.

4 de julho de 2009

Da memória histórica ao mito


É a 4 de Julho que se celebra a morte de Isabel de Aragão, esposa do rei D. Dinis. Este ano, por ser um ano ímpar, Coimbra não recorda a sua padroeira com a sumptuosa procissão que, de dois em dois anos, percorre as ruas da cidade.
A Rainha Santa Isabel é, segundo os historiadores, uma das mais notáveis figuras femininas da nossa história e um mito popular e religioso que alcançou prestígio e fama a nível nacional.
Em vida, muitos factos contribuíram para que, logo após a sua morte, passasse a ser chamada “rainha santa” e as circunstâncias da sua morte também ajudaram.
Ela foi apaziguadora entre reis que estimulavam a guerra, reconciliou o seu marido com o filho Afonso, incentivou obras sociais, apoiou conventos e congregações religiosas. Acompanhou o marido na sua doença, tendo-o tratado ela própria e, no dia da sua morte, vestiu o hábito de clarissa. A seguir às exéquias foi, como peregrina, a Santiago de Compostela. Acabou por dedicar o resto da sua vida a obras de caridade.
Morreu a 4 de Julho de 1336, de morte súbita, quando se dirigia para a fronteira, numa tentativa de pacificação entre o filho, Afonso IV , e o neto, Afonso XI, de Castela.
Decisiva, para o início da construção do mito foi a transladação de Estremoz até Coimbra, que durou sete dias e sete noites, sempre acompanhada por uma multidão devota e entusiasta. Apesar do calor abrasador, o ataúde exalava um “tão nobre odor (que) nunca ninguém tinha visto”, conforme relata a sua primeira biografia, intitulada Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel, e seus bons feitos e milagres em sua vida, e depois da morte.
Esta bibliografia realça os inúmeros actos de devoção e de piedade cristã da rainha que, logo após a sua morte, recebeu manifestações de devoção. Assim se iniciou o culto e nasceu o mito.

(Agradeço a M. Lourdes Cidraes por todo o conhecimento que nos tem trazido sobre esta figura histórica e mítica)

2 de julho de 2009

Vivendo com a utopia

NO CAMINHO DA UTOPIA
A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano, poeta uruguaio

13 de junho de 2009

Ausências

Ausência prolongada do prazer de alimentar o blogue, foi o que aconteceu.
O acesso à internet era difícil, mas não impossível, por isso, não pode servir de desculpa.
Se alguma justificação fosse necessária, diria que o desejo não alimentou a vontade. Foi um tempo de olhar para as Festas do Espírito Santo na Ilha do Pico e de participar num interessante congresso - Sharing Cultures - International Conference on Intangible Heritage.http://sharing.cultures2009.greenlines-institute.org/accepted_abstracts.php
Agora regresso ao blogue e às notícias ignoradas, porpositamente, durante todo este tempo. Mas, ouvir, na Antena 2, pelas 7 e tal, Pedro Malaquias fazer a revista de imprensa diária, dá vontade de fazer o mesmo às 8 e às 9 e tal. É único este olhar crítico e irónico da leitura que faz das notícias a letra pequena dos jornais diários.

23 de maio de 2009

Caldas late night - Hábitos de Maio 12

As noites das caldas são animadas pelos alunos da ESAD por uma iniciativa chamada caldas late night. Com a ajuda de um esquema/mapa, as pessoas inteiram-se dos locais onde decorrem performances, música, exposições e sketchs. ~
A cidade mexe. Ouve-se música e burburinho durante a noite e no dia seguinte a festa continua na Rua da Montras. É um prazer andar na cidade durante estas noites!
Hoje, uma das varandas do meu bairro chamava a atenção por estar demasiado iluminada e, aparentemente, "decorada" da forma mais natural de uma varanda bairro: roupa a secar e cangalhada indecifrável, cá de baixo. A porta do prédio estava aberta. Um papel anunciava: aberto das 10,30-00,30. Um cartaz do Caldas late night identificava a iniciativa e uma música especial, vinda lá de cima, convidava a entrar.
Uma das coisas interessantes deste movimento é, precisamente, abrir as portas das casas a todos os que peregrinem pelos pontos animados pelos estudantes.

22 de maio de 2009

Aniversários - Hábitos de Maio 11

O mês de Maio é o mês que concentra mais aniversários de amigos e familiares. São filhos de Agosto... quem faz um filho, fá-lo por gosto.

20 de maio de 2009

Dia da espiga antecipado - Hábitos de Maio - 10

Hoje, HEAVENLY antecipa o dia de amanhã, dia de colher, entre outras plantas, a papoila da fúria de viver: http://vascotrancoso.blogspot.com/

A espera do Bom Verão - Hábitos de Maio 9

Num dia, não fixo, entre Abril e Maio, conforme as localidades, os hábitos e os costumes, as populações encontravam-se nos campos, comiam juntos, cantavam e dançavam. Diziam que iam esperar o Bom Verão e a época das sestas iniciava-se nesse dia. Ainda hoje se notam resquícios desta prática junto à Lagoa de Óbidos, em frente ao Covão dos Musaranhos.
Em 1878, D. Luis Vermell Busquets dava-nos conta do que se passava nas Caldas da Rainha:
"Nove dias depois da Paschoa, esta villa parece um deserto, quasi todas as portas estão fechadas, e perguntando eu o motivo, disseram-me que os habitantes n'este dia de cada anno saem a buscar o «bom verão», quer dizer, que vão divertir-se fóra da povoação com a esperança de futuros lucros: os operarios por que se acabam os serões, e começam as "sestas".
Origem do Real Hospital e da Villa das Caldas da Rainha com mais alguma noticia interessante assim histórica como archeologica, e também acerca da virtude das aguas mineraes da dita villa, D. Luis Vermell y Busquets (o peregrino espanhol), -Pintor, e esculptor-entalhador da Real Casa de Sua Magestade o Senhor D. Fernando.Editado em Lisboa na Typographia Universal de Thomaz Quintino Antunes, impressor da Casa real, Rua dos Calafates, 110, em 1878, pg. 29.
Agradeço à Isabel Castanheira esta informação.

17 de maio de 2009

Na Região de Mafra - Hábitos de Maio - 8

Em O ETERNO FEMININO NO ARO DE MAFRA, num capítulo intitulado O CALENDÁRIO DA GRANDE DEUSA na Região de Mafra, assinado por Manuel GANDRA, lê-se o seguinte, no que se refere ao mês de Maio:
1 de Maio - Rebolão (Malveira): manjar ritual sobre uma mó no cimo do Cabeço do Cerro, após o que a mó (pedra fêmea) era lançada Cerro abaixo (figurando o princípio masculino), com o objectivo de propiciar a fertilidade;
Visita das Fontes (Ericeira), com consagrações florais e ofertas de pão e trigo.
3 de Maio - Divina Bela Cruz (Póvoa da Galega): colocação de cruzes floridas nos campos.

Foto de Afonso Alves in PORTUGAL, FESTAS e ROMARIAS, Clube Internacional do Livro, 1999

O ritual de do dia 1 de Maio da Malveira assemelha-se ao que se passa em Monsanto (Idanha-a-Nova):
O cortejo dos habitantes sobe até ao castelo, encabeçado por mulheres que cantam e tocam adufes. Algumas delas
levam cestos floridos à cabeça, mas um deles é designado por "bezerro florido" e é atirado do alto dos penhascos, ribanceira abaixo. Diz a lenda que este bezerro simboliza um gesto de há séculos levado a cabo pela população que, enganou os invasores, atirando-lhes com um bezerro, fazendo-lhes pensar que estava com fartura suficiente para aguentar o cerco. Foi este gesto que os salvou, pois os invasores partiram em retirada, afirma a lenda.
De facto, o que se homenageia é, não só a fertilidade, mas também o desejo de abundância das sementeiras que se iniciam.





Foto de Afonso Alves in PORTUGAL, FESTAS e ROMARIAS, CIL



16 de maio de 2009

Presente de Maio

Um presente de Maio, pela mão de José do Carmo Francisco, a quem agradeço muito.

Uma memória de luz ou pequena dissertação sobre a Primavera

Uma tarde estava eu na Ilha de Murano
A ver o esplendor do fogo das forjas
De onde saem peixes, relógios e cavalos
Quando me lembrei da força da terra
Não da terra propriamente dita, o planeta
Mas a terra de onde viemos e nos espera

Terá sido porque tinha estado em Burano
E no caminho vi o cemitério de Veneza
Cruzando a força das rendas das mulheres
E das redes dos pescadores dessa laguna
Com a fragilidade das flores mais secas
Sobre as pedras com as datas e os nomes

Lembrei-me mais da Primavera nesse lugar
Onde a terra era tão escassa e o mar imenso
No sono dos pequenos barcos no nevoeiro
No sossego interrompido pelos navios de luxo
Que descem o Adriático ao som da música
Mais fria, pobre e triste que se pode imaginar

Lembrei-me mais do cortejo do trem do cuco
Quando as coisas mais velhas e mais feias
Enchiam todos os carros de bois em desfile
Por entre os risos dos homens de barrete
E a desaprovação das mulheres velhas à porta
Porque havia ali coisas ainda boas de servir

Lembrei-me mais das fogueiras antigas
Nessas noites de cortejo no nosso Largo
Onde o Pelourinho é memória de justiça
E os rapazes mais velhos não deixavam
Que os pequenos saltassem a fogueira
Porque tudo tem o seu tempo na vida

Lembrei-me mais da nossa primeira festa
Que era sempre no Domingo de Pascoela
No Lugar da Granja Nova onde eu ia a pé
E o primeiro arroz de ervilhas da minha avó
Com o coelho do meu avô e dos meus tios
Era comido pelos músicos à beira do rio

Lembrei-me das nossas procissões à tarde
Quando eu segurava a naveta do incenso
E o turíbulo tinha brasas da nossa lareira
Que o meu tio ia buscar sempre a correr
Porque tinha o casaco de músico para vestir
Tocava trompete e fazia falta na filarmónica

Lembrei-me mais das festas de arraial
As gasosas a subirem do poço num cesto
A frescura nada tem a ver com frigorífico
Quando o vinho tinto amolecia as cavacas
E só assim o menino que era eu as comia
A olhar o coreto rodeado de sol e de pó

Lembrei-me mais de eu ser tão pequeno
E toda a gente na família me dizia
Para me levantar cedo e eu falhava
Não sejas lapão não deixes entrar o Maio
Repreendia a minha avó todos os anos
Sem nunca me explicar esta sua fala

Lembrei-me mais de ir ao Vale de Água
Para trazer os vários ramos da Primavera
Para nós, para a Tia Velha, para a Ti Zabel
Será por isso que ainda hoje no Chiado
Há quem venda estes ramos a alto preço
E um vai logo para o meu neto em Londres

Será isso hoje a Primavera possível
Um ramo num envelope almofadado
Ingénua maneira de prolongar o tempo
Que flutua numa memória qualificada
Mas não existe na verdade no campo
Onde se vive o esplendor dos pesticidas

Afinal nem tudo se perdeu, nem tudo caiu
Como eu não percebia as falas da minha avó
O meu neto vai demorar a perceber o ramo
Que ele possa chegar ao Outono como eu
Com o fogo da Primavera no seu olhar
E uma memória de luz onde tudo continua

José do Carmo Francisco

15 de maio de 2009

Maio nas Caldas

Este ano celebrou-se a cidade com o ritual do esbanjamento que os autarcas começam a instituir como tradição. Veio o Tony Carreira encher a Avenida. Seguiu-se o fogo de artifício que conseguiu quase abafar todas as vozes que se opõem ao potlach.
O Museu Bernardo festejou à sua maneira, nas margens. Não esteve na Avenida, mas, na sua sede, ali perto, organizou um concerto com a famosa banda, The Wall que, enquanto o fogo de artifício decorria, festejou, estridentemente, os 20 anos da queda do muro de Berlim. Ao mesmo tempo os performers destruíam a golpes de picareta o muro que, como as margens comprimem o rio, também ele comprimia o Museu.
Depois fizeram-se as contas e sobraram muitos milhares entre os gastos da Avenida e os do Museu Bernardo.

14 de maio de 2009

Procissões e rogações em honra de Maria - Hábitos de Maio 7

Depois da polémica sobre os touros de morte, em Barrancos, aquando da festa de Nossa Senhora da Conceição e, guardadas as devidas distâncias, no que a Fátima diz respeito, a procissão de Nossa Senhora Rainha da Paz, do Bairro da Bela Vista, de Setúbal, é a que, ultimamente, mais mereceu a atenção dos media.
Eles espiolharam as intenções dos que assistiam, eles escarafuncharam o mais possível na razão das promessas, eles viraram do avesso a fé e a devoção, tipo cães pisteiros.
Para o ano a notícia continua: "Faz hoje um ano que a procissão não passou pelo Bairro da Bela Vista ..." Já nem farão referência ao nome da Senhora. Pouco lhes importará referir este acontecimento com um dos hábitos de Maio - a dedicação deste mês,a Maria, prática importada desde meados do século XIX. Também pouco lhes importa reflectir sobre a Rainha da Paz porque para o ano a luta será outra. Mas fica aqui registado este nome que coroa Maria, na sequência do culto à Grande Mãe e às deusas que na Primavera eram festejadas.

13 de maio de 2009

Dia de Santa Cruz - Hábitos de Maio 6

No Domingo de Ramos benzem-se os ramos de loureiro e de oliveira que são guardados e, no dia 3 de Maio, a população de Folgosinho, dia de Santa Cruz, “fazem cruzes com eles, colocam-nas nos campos e sobre as casas para afuguentar as trovoadas, as pragas de bichos prejudiciais às culturas e atrairem as bençãos de Deus”. in A VILA DE FOLGOSINHO, pg.103.

12 de maio de 2009

Liljekonvalje - Hábitos de Maio 5


Mais uma informação dada pela minha amiga Agneta Bjorkman: Na Suécia as pessoas oferecem estas flores, umas às outras. São chamadas Liljekonvalje (lírios dos vales).

11 de maio de 2009

Majblomma - Hábitos de Maio 4


MAJBLOMMA
Durante o mês de Maio, vendem-se, na Suécia, pequenas pregadeiras, cuja receita reverte a favor de obras de solidariedade social. Estas pregadeiras têm o nome da flor amarela, Majblomma, que lhes deu origem. Embora esta prática se conheça apenas desde 1907, é muito provável que tenha as suas raízes num antigo hábito


MAJBLOMMA

europeu de pôr à porta e nos campos, flores amarelas, para glorificar a Deusa Maya e dar as boas-vindas à Natureza florida, do qual resta a cor amarela, obrigatória no centro da flor, dado que a cor das pétalas mudam de ano para ano, mas nunca a da corola.
Devo esta informação à minha amiga Agneta Björkman que me disse ainda que se recorda de ver, no dia 1 de Maio, os carros enfeitados com Majblomma.
Também em Portugal esse hábito era frequente até, pelo menos, aos anos 70. Ainda hoje se colocam flores amarelas à porta. Nuns sítios usan-se giestas e noutros, maias. Teófilo Braga assinalou este costume em O Povo Português, Vol. II: "no dia 1º de Maio, colocam-se nas portas e janelas flores de giesta, prservativo contra o Maio, que sem ele aleijará os bacorinhos, pintos e anhos."

6 de maio de 2009

Maio Florido - Hábitos de Maio 3


Iluminura de TRÈS RICHES HEURES du duque de Berry referente ao mês de Maio.
"Le dieu d'Amour est coutumier
A ce jour de fête tenir,
Pour amoureux coeurs fêter
Qui désirent de le servir;
Pour ce fait les arbres couvrir
De Fleurs et les champs verts gai,
Pour fêter la plus belle embellir,
Ce premier jour de mai"
(Charles d'Orléans, ballade no48)

2 de maio de 2009

Não casar em Maio - Hábitos de Maio 2

O mês de Maio era, na Roma antiga, consagrado aos antepassados.
Na Antiguidade e em toda a Idade Média perpetuou-se a interdição de efectuar casamentos neste mês, dado que se corria o risco de ter como esposa um ser vindo do outro mundo. Esta ideia de ver o casamento amaldiçoado persiste em algumas regiões de Portugal, substanciada, por vezes em ditos como este, que diz respeito a Mafra: “Casamento em Agosto é desgosto! Casamento em Maio é estéril”.
Os ritos e mitos deste mês rodam à volta da vegetação e das flores. Há descrições de paradas, cortejos e desfiles onde os intervenientes usavam fatos e chapéus floridos e do costume de pôr flores, ou mesmo plantar árvores, à porta das pessoas que se queria obsequiar, na noite que antecede o primeiro de Maio.
Em França mantém-se o hábito de oferecer um ramo de pequenas flores brancas, o muguet, aos amigos, neste dia. Em Portugal é usual colocar maias às portas das pessoas e enfeitar os carros e os campos com esta flor.
Na religião católica, este mês é consagrado a Maria.

1 de maio de 2009

Acordar cedo - Hábitos de Maio 1

Hoje é dia de acordar cedo para não deixar o Maio entrar em casa. É dia de pôr as maias, as flores amarelas, à porta para afastar o mal.
Em muitas localidades, ainda persiste este hábito, como por exemplo, em Óbidos e algumas das suas freguesias.

28 de abril de 2009

Confraria do Príapo

Nasceu hoje a Confraria do Príapo nas Caldas da Rainha.

25 de abril de 2009

21 de abril de 2009

Memória afectiva das salinas do Arelho

Começou a trabalhar nas salinas do Arelho aos 11 anos,
em 1944. Tornou-se dona das salinas até 1969, ano em que emigrou, ano em que as salinas ficaram definitivamente desactivadas.
Faz hoje 76 anos.

19 de abril de 2009

Roubar Figos é coisa santa

Quando Abril começava a despontar e, se o sol fosse generoso, iniciava-se a limpeza dos canteiros, no braço da Lagoa que se estende até quase ao Arelho. A lama arrastada pelas marés e pelas chuvas era retirada pelo valador e depois levada para os terrenos contíguos, pelas mulheres, para se dar início à tarefa da apanha do sal.
Era um trabalho que demorava cerca de um mês, com mais de uma dezena de mulheres a correrem pelas valas, como formiguinhas, de gamelas à cabeça.
Era assim, na Lagoa de Óbidos, desde o nascimento das salinas, em 1930, até 1969, ano em que ficaram desactivadas.
Felícia, hoje com 83 anos, filha de pais abastados, donos de terrenos e de animais, nunca trabalhou nas salinas, que era sítio para filhas de gente de menos posses. Mas trabalhou, e a sério, nos campos, a sachar e a mondar. Calcorreou bons quilómetros, para levar o jantar aos homens que trabalhavam à jorna. Ia, de madrugada, vender para a praça das Caldas. Regressava, a horas tardias, sem comer e, por vezes, montada no macho, a abrir caminho ao pai, não fosse aparecer a ladroagem e ficar com o dinheiro da venda.
Nunca trabalhou nas salinas mas lembra-se muito bem de se regalar com a paisagem , por isso, quando o pai lhe dava ordem para ir trabalhar para um terreno que proporcionava essa vista, até agradecia. Porém, na sua mente havia sempre um mistério indecifrável. "Este estafermo da figueira, meu pai - dizia ela - vale mais arrancar-se. Nunca dá figos! Ainda por cima também nunca se lhe vê flor! Nunca cumpre a obrigação de dar fruto! Isto é coisa que até assusta. Parece obra do diabo."
Dizia-se, e ainda hoje se acredita, mas talvez Felícia não soubesse, que a figueira é uma árvore amaldiçoada e tão nefasta que seca o leite às mulheres que por ela passam.
Dizem que este castigo foi dado à figueira porque Judas se enforcou numa e, apesar de se saber que não é bem assim, continua a propagar-se a crença porque torna a coisa mais mágica, mais vibrante, mais interessante.
Os jovens já vêm com a verdade da escola: "as flores não se vêem, porque estão fechadas dentro de um receptáculo chamado sícone, que é o figo", mas às mães e às avós nem sempre dá jeito acreditar nestas verdades irrefutáveis e continuam a olhar para a figueira como a árvore que é tão má que até faz rebentar os lábios a quem come figos perto dela.
Seja como for, o que interessa para o caso é que Piedade, ela sim, trabalhadora nas salinas durante trinta e seis anos, muito tempo passado, desvendou o segredo da aparente infertilidade das figueiras.
As rapariguitas salineiras andavam sempre com o olho nos figos da figueira de Felícia. Os que se destacavam, os mais maduros não ficavam lá muito tempo. Às escondidas, davam lá um pulo e iam-nos colhendo, ao que se pode literalmente dizer que lhes chamavam um figo. Elas acreditavam no que se dizia, que a figueira é árvore tão ruim que nem pecado era roubar-lhe os figos.
Era, então, uma santa acção, esta de retirar os figos à árvore amaldiçoada. Matava-lhes a fome em horas de faina apertada e dura.
Estória escrita depois de uma tarde de conversa no Centro de Melhor Idade do Arelho.
Felícia tem hoje 83 anos e Piedade, 76 anos.
Os nomes são fictícios.

18 de abril de 2009

A propósito de adivinhas e de ovos

Que é que é
uma caixinha
redondinha
bem feita para rebolar?
Todos a podem abrir
ninguém a pode fechar...
A propósito de ovos e de adivinhas, Ana Paula Guimarães acrescenta, em CUIDAR DA CRIAÇÃO: ¨A adivinha parece, além do mais, funcionar como uma espécie de ovo cósmico da linguagem. Ovo cósmico é uma expressão usada pelo astrónomo belga Georges Lemaître (1894-1967) para designar o conjunto de matéria altamente compacto que teria dado origem ao Universo, átomo primordial. (...)
Na língua portuguesa, especula Cecília Diógenes, empenhada neste estudo do ovo na tradição popular e na publicidade, a palavra ovo é capicua, simétrica e circular. Constitui o princípio e o fim, dá origem a uma nova vida - partindo-se, reconstrói a geração.¨
O ovo não podia deixar de ser o símbolo por excelência da homenagem à Primavera. Não podria, pois, estar fora dos festejos que anunciam a transicção de uma estação do ano a outra.
O que parece estranho é a associação dos coelhinhos aos ovos, na época pascal.
Mas, para esclarecimento veja-se COCANHA.

16 de abril de 2009

De um amigo croata, recebi estes ovos de Páscoa, fotografados, em Zagreb, na Praça Vice-Rei Josip Jelacic.
Este ano o Turismo de Zagreb presenteou os habitantes da cidade e os veraneantes com este ovo pintado, segundo a tradição croata. Pisanica é o termo que designa estes ovos e significa "ovo cozido pintado". Agradeço, pois, estas informações que contribuem para estabelecer laços entre as raízes comuns da tradição europeia.










12 de abril de 2009

O ovo europeu

Poucos se lembrarão dos jogos de descoberta de ovos escondidos nos campos, que faziam na época de Páscoa, como este, da região de Mafra.
Os ovos continuam a fazer parte da simbologia pascal, mas agora em chocolate, ou cozidos e incrustados no folar. O chocolate só veio dar uma nova forma a um costume que vem de longe. O ovo era associado a lendas e mitos sobre a criação do universo, não só porque ele é a semente que contem o gérmen vital, mas também devido à sua forma, redonda, sem princípio nem fim. E a gema era associada ao sol, também ele fonte de vida. Ligado tão intimamente à vida, à regeneração, ao renascimento, ao vigor e, naturalmente, à Primavera, o ovo tornou-se num símbolo da Páscoa, em toda a Europa.
Na Europa Central, Ucrânia, República Checa, Hungria, Roménia e Croácia - os ovos são pintados e decorados, com signos e símbolos pascais ou primaveris.
Na Europa do Sul a decoração não é essencial ao rito. Eles aparecem muitas vezes só pintados de vermelho, em algumas ilhas da Grécia, como Rodes e Karpatos.
Em Portugal e na região mediterrânica fazem-se bolos onde se incrustam ovos inteiros cozidos com a casca. Em Portugal chamam-se folares, Campanile, na Corsega; Tsoureki, na Grécia;
La rosca de Pascua, na Calábria ou Muccelati e cannilieri. Estes bolos aparecem sob as mais diversas formas: corações, cavalos, vacas, peixes, porcos-espinhos, aves, águias e serpentes bicéfalas.
Serão estas diferentes representações apenas obra da fantasia e da imaginação?
A recorrência dos mesmos temas em diferentes partes da Europa faz com que duvidemos da simplicidade da resposta.
A serpente mítica da Sicília, por exemplo, encontra-se sob forma de escorpião na Calábria ou na Sardenha, e de lagarto, em Portugal e em Espanha, de dinossauro em Creta e de dragão na ilha de Karpatos. Como se, com a chegada da Primavera, todos estes seres arcaicos, saíssem do ventre da terra para figurar, de forma mais ou menos adocicada, a regeneração e a fecundidade.
As aves, nomeadamente, a pomba que também se vê aquando da Anunciação e do Pentecostes, são, evidentemente, os animais mais tolerados pela Igreja. E são também os mais frequentes. Por vezes a ave tem no bico um ramo de oliveira.
Em certos sítios, na quinta-feira santa, os rapazes recebiam um pássaro, um cavalo ou um dragão e as meninas recebiam uma boneca, em massa de pão, todos eles contendo um ovo. Mas estes meninos não podem comer os bolos, senão no dia de Páscoa. Na Grécia, levam-nos à igreja, no sábado santo, para os benzer… antes de serem comidas.
Em Portugal, poucas localidades mantêm o hábito de fazer folares em forma de animal. Castelo de Vide é um exemplo onde o costume se mantém.

9 de abril de 2009

Mãos de Tesoura

Até há pouco tempo, Mãos de Tesoura, soava a Eduardo e remetia para este grafite.


Entretanto, passou a designar uma loja cheia de imaginação e cor, sita na Rua da Cova da Onça, de seu nome
MÃOS DE TESOURA.



3 de abril de 2009

Renato

Foto de Margarida

27 de Fevereiro de 2009

2 de abril de 2009

Vidas d'aqui - 3

Vindo do Barreiro, onde nasceu, Renato chegou às Caldas em 1957, com 22 anos, já casado e com uma filha de três.
De imediato procurou alguém com quem se pudesse entender, alguém com quem pudesse falar sem muitos receios, mesmo que em surdina. Começou pelo Café Central. Entrou. Entrou várias vezes. Sempre lendo no olhar e nos gestos de cada um. O que leriam? E as conversas, de que falariam?
Por portas travessas indicaram-lhe um contacto a não perder: O Dr. Custódio, um democrata. Foi assim que se iniciou nos contactos com gente de esquerda. E foi assim, penso eu, que foi conhecendo gente do PC.
As suas raízes estão no Barreiro, onde já tinha palmilhado muito caminho, apesar dos seus apenas 22 anos. Aos oito, em 1943, entraram-lhe pela casa adentro e levaram-lhe o pai. Tornou-se, então “ladrão e pai de família”, como dizia. O mesmo aconteceu com outros miúdos que ficaram sem pai, sem tios, sem primos e sem irmãos. As mulheres, diz ele, choraram durante toda a noite e num raio de 15 quilómetros era uma escuridão de carpideiras.
Por isso, aos 22 anos, já tinha passado por uma grande escola de vida e de violência. Diz ele que foi o Salazar que lhe entrou no quarto ou melhor, na sala, onde dormia com a avó. No dia seguinte era o único homem da casa. Assim se tornou chefe de família. E ladrão? Sim. Roubava-se o que se podia, para comer e para aligeirar as despesas e o fardo que a mãe, a tia e a avó tinham de transportar.
Por isso, Caldas era a continuação dessa aprendizagem.
A cidade parecia-lhe uma coisa minúscula, com uma população igual a quarto dos trabalhadores que entravam na CUF.
A colocação de um comutador na fábrica da SECLA, tarefa que lhe foi confiada, deu-lhe acesso aos artistas locais e a ceramistas como o Ferreira da Silva e outros. Foi assim que entrou para o CCC e que, juntamente com tanta gente interessante, o dinamizou.

Caldas da Rainha, 27 Fevereiro 2009
Ontem, 1 de Abril, morreu de pé, nas Caldas da Rainha.

27 de março de 2009

Amigos de Peniche 3

A fatídica expressão "amigos de peniche" faz com que toda a gente evite apresentar um amigo penichense, como um amigo de Peniche. Normalmente, seguem-se explicações "ele é de Peniche mas não é um amigo de Peniche", etc, etc.

Mas temos uma resposta interessante de um médico penichense, a um colega seu que o picou, com uma pontinha de ironia, sobre o significado dessa expressão: "Olhe, meu caro, «amigos de Peniche» são uma cáfila de patifes que eu tenho encontrado por toda aparte, menos lá!..." (in Peniche na História e na Lenda de Mariano Calado, p.426).

26 de março de 2009

Amigos de Peniche 2

Em breve fará 420 anos que a armada inglesa desembarcou em Peniche, supostamente com a intenção de ajudar a defender o direito de D. António, Prior do Crato, à sucessão do reino, após a morte de D. Henrique. Porém, o desejo dos adeptos de D. António foram gorados pelo facto deste exército nunca ter desempenhado a função para a qual estava designado. Foi assim, segundo conta Mariano Calado em Peniche, na História e na Lenda, que surgiu a fatídica frase que assombra a hospitalidade e a honestidade do povo de Peniche.
Em Lisboa, os defensores de D. António, ansiando pela chegada do exército que deveria apoiá-los, comentavam: Então e os nossos amigos de Peniche, quando chegam? Os nossos amigos de Peniche por onde andam? Porque não vêm os nossos amigos de Peniche?
Quem os pode livrar de uma sentença imposta há quase meio milénio, mas que nada tinha a ver com os naturais de Peniche?
Ai! estes ingleses trazem cada trauma!

25 de março de 2009

24 de março de 2009

ESSES de Peniche

Cada terra com o seu uso, cada roca com o seu fuso.

Um dos doces característicos de Peniche são uns biscoitos em forma de esses. Adquiria-os nas pastelarias mas hoje foi-me desvendado um cantinho chamado BOINA VERDE, situado numa das ruas estreitinhas que ladeiam a Câmara (só de peões), que os tem deliciosos e fresquinhos.Outras iguarias, como os pastéis de Peniche, e as queijadas também aí são confeccionadas.
Parabéns a esta diligente senhora que se rendeu à qualidade, em vez de se deixar seduzir pela avidez do lucro fácil tão usual na venda de gato por lebre.

23 de março de 2009

Andorinhas nas Caldas

As andorinhas chegaram no dia de aniversário do Bordalo, dia em que o Museu Bernardo o homenageou através do olhar de novos artistas.





22 de março de 2009

Homenagem aos trabalhadores da Bordalo Pinheiro

Elas já se haviam anunciado, quando as expuseram, todas juntinhas, a fingir que esvoaçavam parede acima, na Galeria OGIVA, em Óbidos.
Pareciam trazer um tempo novo, mas como o espaço não as deixava levantar voo, só esvoaçaram as que não estavam presas à parede.
Foram e espalharam a notícia da Bordalo Pinheiro.
A loja da fábrica encheu-se de gente ávida de ter, ter, ter e ter um prato, uma peça, um azulejo, fosse o que fosse, mas o importante é que fosse Bordalo.
A estratégia funcionou, dizem. Mas afinal não foi suficiente e anteontem, por volta das 11h44m, as ruas das Caldas encheram-se de andorinhas brancas que traziam esta mensagem: Homenagem aos trabalhadores da Bordalo Pinheiro.
Elas ainda por aqui andam. Muitas ficaram coladinhas nos umbrais das portas. Outras meteram-se em pequeníssimos envelopes abertos de um lado e colados nas paredes, para que o transeunte atento retire um, leia e se associe a tão bela manifestação de solidariedade.
O promotor é um "autor desconhecido". A ideia é genial.
O papel branco que cada um pode levar para casa, a mim, cheira-me a trabalho de artista plástico. Parece-me ter vindo dos lados da ESAD, mas isto é só "um suponhamos".
Respeito o anonimato, mas não posso deixar de alertar para olharem para as paredes, para as portas, para as janelas e para os bancos da cidade.
Elas andam por aí! E os artistas plásticos também.
(Foto de Nelson Melo)

21 de março de 2009

Vidas d'aqui - 2

Rendizer a poesia

Encontrámo-nos no seu atelier.
Não sei descrevê-lo como gostaria porque ela é que me prendeu a atenção. Tenho na memória quadros, muitos, suspensos nas paredes. Eram retratos de ruas, de homens de Peniche, do porto, de flores, de recantos, de mar, de gaivotas e dois de rendas. Num, estavam as suas mãos a rendilhar sobre a almofada coberta de bilros e de renda. Outro era um naperon pormenorizadamente pintado, juntamente com uns búzios.
Havia tintas, pincéis, livros, poemas e uma almofada de bilros, em execução.
Havia também rendas encaixilhadas. Uma árvore, a cores, com extensas raízes. Uma caravela. E mais, muitos mais trabalhos, mas não recordo muito mais porque ela é que me prendeu a atenção.
Disponível. Evitou atender pessoas e telefones. Falou de rendas, de rendilheiras, do trique-trique dos bilros e da sua aprendizagem, desde os seis anos de idade.
Conheceu as amarguras das mulheres de Peniche que, em algumas épocas do ano, sustentavam marido e filhos, à custa de noites e dias debruçadas sobre a almofada, sentadas no chão.
Conheceu as oficinas e as escolas de sujeição à disciplina rígida quais as crianças estavam sujeitas.
Tornou-se mestra. Ensinou muitas mulheres e hoje é um dos sustentáculos desta produção artística, pela forma como se envolve na sua manutenção, defesa e inovação.
Ontem enviou-me uma renda e uma poesia, ambas da sua autoria porque “a nossa renda de bilros é também poesia”.
E eu agradeço, divulgando e agradecendo quanto tenho aprendido sobre Peniche e o ensino das rendas.
Meu coração bate, bate
como os bilros da almofada
e ao som do tric …tric
nasce em minha alma a alvorada.
brilham tanto os alfinetes
sobre o pique de açafrão,
que os seus pontos transparentes,
são nuvens de encantamento
que me enchem de emoção.

os bilros,
passarinhos esvoaçantes
deixam música no ar
em sons leves
sussurrantes,
aos ouvidos do luar.

Quem vê a renda surgir
tecida de leves fios
entrecruzados de esperança,
de marés vivas,
de sonhos,

de ondas brancas de espuma,
de sorrisos de crianças
embalados na maresia,
sobre o pique, na almofada,
verá por certo,
à tardinha
que, por milagre ou magia,
a renda de espuma branca
já não é renda,
“é poesia”
IDA GUILHERME

20 de março de 2009

Sagração da Primavera

Imagem retirada daqui

A Primavera é recebida hoje, às 11h44m, com uma Festa do Equinócio, no recinto amuralhado do Santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, em Vila Nova de Foz Côa.

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