24 de setembro de 2009
A Babel em construção
Agora é uma Torre de Babel que dá guarida a holandeses, alemães, americanos, franceses e ingleses, onde se ouve falar português de quando em quando.
As casas já não se instalam no aconchego da serra. Espalham-se por onde calha, mas sobretudo pelos altos que sejam bem altos e de onde se aviste o mar.
Algumas delas vêm em camiões do estrangeiro e depois são montadas pelos novos habitantes da serra. Talvez por isso há cada vez mais cães e cada vez menos espaço agrícola.
21 de setembro de 2009
Vou deixar de te ver?
18 de setembro de 2009
17 de setembro de 2009
Mafalda e o Teatro
Mas antes, passou pelas Caldas, onde nasceu, e onde recebeu de Aníbal Rocha, a primeira piscadela de olho para as artes dramáticas. Seguiu-se Ávila Costa, que no grupo de teatro da Faculdade de Letras, de Lisboa, lhe estendeu os braços para o futuro.
Encontrei-a, pela primeira vez, em 1998, na Escola Secundária Raul Proença, entusiasta da vida que o corpo dava às pessoas e às coisas, amante de um teatro sem palavras e preparando o Lugar Vagon. Mais tarde percorreu as margens do Tejo, na Lisboa ribeirinha, à procura de um barco desactivado que servisse de palco a uma nova peça que seria uma viagem para nenhum e todos os sítios possíveis. E conseguiu concretizar o seu processo de busca – trazer o quotidiano para o palco.
Mas a minha intenção não é fazer um CV da Mafalda. É dizer que vale a pena não lhe perder o rasto e ver no Porto, no Teatro Carlos Alberto, ou em Lisboa, no CCB, MANSARDA, a última peça de uma trilogia sobre a Poética da Casa. Os que seguem o Festival de Teatro de Almada lembrar-se-ão dos CIRCOLANDO, tanto em 2008 como em 2009, com o QUARTO INTERIOR.
8 de setembro de 2009
7 de setembro de 2009
Senhora da Gata
25 de agosto de 2009
S. Bartolomeu, Quem é? - I
No século XIII a lenda sobre o seu martírio expande-se por todo o mundo cristianizado. Esfolado vivo. Por isso, a sua imagem o representa com uma faca na mão e pela mesma razão é o patrono dos curtidores, dos carniceiros e dos encadernadores[1].
Outra lenda diz que o seu caixão foi atirado ao mar e foi ter a Liparis, na Sicília, o que fez com que o vulcão que tanto atormentava a ilha se tenha afastado da costa[2].
É representado com um monstro aos pés, tipo cão e por vezes monstro marinho, no qual o povo vê o diabo, acorrentado a uma das suas mãos. Na outra tem uma grande faca ou uma espada. Normalmente é feio. Com o tempo tem vindo a representar-se com um ar mais meigo, mas algumas das imagens antigas assustam. Gosta de galinhas pretas e tem fama de exorcista.
Para Moisés Espírito Santo, “o São Bartolomeu português é o Poseídon grego reinterpretado pelo povo; o Poseídon popular dos antigos Pelasgos e dos Fenícios, o senhor dos mares, pai dos rios e antepassado de uma numerosa posteridade de marinheiros.[4]”
[1]José LEITE, S.J.,(Organização) - Santos de Cada Dia, Volume II, Maio-Agosto, Editorial A.O., Braga, 3ª Edição corrigida e aumentada, p. 572-573.
[2] VORAGINE, Santiago de – Leyenda Dourada, Vol II
[3] Na Silveira, concelho de Lajes do Pico, este hábito era comum, mas já entrou em desuso.
[4] ESPÍRITO SANTO, Moisés — Origens orientais da religião popular portuguesa : ensaio sobre a toponímia antiga. Lisboa : Assírio & Alvim, 1988, p.169-171.
24 de agosto de 2009
A Lavoura dos Cães
S. Bartolomeu é o seu guardião o ano inteiro, excepto no dia em que lhe concede esta liberdade de correr Portugal fora. As mulheres zeladoras das igrejas ou capelas em honra do santo têm o cuidado de abrir a porta desde o nascer do sol até o dia acabar. Só à meia-noite vêm encarcerar, de novo, o monstro que S. Bartolomeu tem aos pés, preso por uma corrente. Mas o mafarrico sabe escolher a rota e não se deixa encantar pelas paisagens de interior, secas e áridas. Prefere o mar, os rios e os ribeiros. Em S. Bartolomeu do Mar (Esposende), a maléfica criatura cura as crianças gagas ou raquíticas que se banhem sete vezes nas ondas do mar e que, depois de passarem por baixo do andor de S. Bartolomeu, ofereçam galinhas pretas ao Santo. Em Cavez (Cabeceiras de Basto), a capelita mais ou menos isolada, enche-se de gente que, para curar quaisquer maleitas do foro psicológico, pega na pequena imagem do Santo e bate com ela na cabeça. A seguir, em procissão, atravessa-se a ponte e vai-se até ao riacho onde todos se aspergem com água da fonte sulfurosa. No Porto, a mesma coisa. Em cortejo alegórico a um tema previamente escolhido, as pessoas vestidas de papel, atiram-se ao mar e banham-se ritualmente.
De todos os S. Bartolomeu’s que conheço e de todos os rituais a que tenho assistido neste dia, o mais surpreendente é o do Rego (Celorico de Basto). Chama-se a Lavoura dos Cães e começa ao pôr-do-sol. Para os mais atentos, já terá sido estranho ver S. Bartolomeu, em plena procissão, no seu andor, com um cigarro na boca[1]. Mas ver uma série de gente mascarada, andrajosa, desajeitada, armada de paus, a abrir caminho, empurrando os veraneantes, com bastante brutalidade é, mesmo para os useiros, motivo de surpresa, gritaria e espalhafato. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo que os gestos se tornam mais comedidos e até mais delicados, assemelhando-se de tão grande desatino – o semeador que, tanto atira as sementes ajeitadamente à terra, como as arremessa para cima da multidão. E finalmente uma junta de cabras atrelada a uma grade, como se andasse a gradar a terra.
Fotos de Afonso Alves
Simultaneamente, podem passar-se cenas menos ortodoxas. Os guias das cabras podem fazer espichar as postiças mamas com leite pelos espectadores. Estes podem atirar-lhes com líao lançar das sementes à terra. Mas a mascarada, os homens vestidos de mulheres, o desalinho e a algazarra continuam a surpreender, não só pelo inusitado, mas também porque se está num espaço sagrado, de festa. Pior ainda, quando irrompe uma figura toda mascarrada e desnuda assustando e correndo sem nexo, como um foragido. E quando o espectador ainda nem sequer teve tempo de se recompor, surge neste bizarro cortejo uma parelha de cães guiados por um mascarado, a puxar um pequeno arado de madeira, orientado por outro mascarado. Entretanto começa-se a perceber que os mascarados que apareceram em primeiro lugar têm por função arredar a assistência, fazendo da estrada palco e cenário da festa. E surge mais um elemento fundamental para a compreensão quidos mal cheirosos. Um padre que incorpora o cortejo benze a assistência com instrumentos e líquido suspeitos, um estranho casal de noivos vai-se pavoneando e o diabo não pára de fazer diabruras até que surge a figura de S. Bartolomeu, grande e imponente, procurando o diabo que, ao ser amarrado pela corrente que habitualmente o mantém acorrentado, se torna mais dócil.
O cortejo e o caos continuam noite dentro. Só o dia seguinte será um novo dia onde reinará a ordem, o trabalho e o ritmo do quotidiano, mas nada será igual. O tempo profano recomeça depois da ruptura que a festa e o ritual proporcionaram.
"S. Bartolomeu prende o diabo" - Foto de José Pedro, 2006
Foto retirada daqui:http://olhares.aeiou.pt/s_bartolomeu_prende_o_diabo_foto747398.html
[1] Ter-se-á perdido este hábito?
23 de agosto de 2009
Romaria de Nossa Senhora da Agonia
A primeira referência escrita ao culto de Nossa Senhora da Agonia data de 1744, mas a Romaria só nasce alguns anos mais tarde, por volta de 1823. Passou a movimentar tanta gente do concelho de Viana e de outras terras vizinhas, mas mesmo tanta gente, calculada, por exemplo, em 1862, em mais de 50.000 pessoas, que, em 1929, o Conde de Aurora, profundo conhecedor do Alto Minho, lhe atribuía o epíteto de A Festa Nacional do Minho. Já antes, em 1873, Pinho Leal escrevia que esta era “a mais concorrida” do Alto Minho e agora já é considerada a “ Rainha das Romarias de Portugal”.
Por efeito de réplica de grandiosidade, a de Lamego, em honra de Nossa Senhora dos Remédios passou a ser chamada de A Romaria de Portugal. Rivalidades à parte, estas são duas das grandes romarias que se fazem em pleno Verão. Como a de Lamego ainda há-se vir, lembro agora, a de Viana, que decorreu, de 8 a 23 de Agosto.
Mesmo antes da festa e da feira terem sido instituídas, já o povo se deslocava à capela da Senhora da Agonia em romaria, ansiando receber as indulgências que os papas e os bispos não se cansavam de atribuir a quem cumprisse com as condições impostas – assistir às missas celebradas em honra de Nossa Senhora da Agonia; rezar em determinados dias, tantas ave-marias, tantas salve rainhas ou tantos pai-nossos. Ao mesmo tempo pagavam as suas promessas e contribuíam fortemente para alimentar as obras que durante um século decorreram na igreja. O sal, as peças de vestuário, os cereais, o gado e o dinheiro que deixavam eram uma mais-valia para os construtores do templo.
Foi assim e com o decorrer do tempo que o culto de Nossa Senhora da Agonia ficou particularmente ligado à comunidade piscatória. A atestá-lo temos o número de ex-votos que aludem a milagres relacionados com o mar, com náufragos e com tempestades. Este aspecto torna-se mais visível no transporte do andor só por pescadores e no percurso que a procissão toma, privilegiando o bairro dos pescadores. É ainda factor relevante da quase “apropriação” do culto pelos pescadores, a procissão fluvial que desde 1968 passou a fazer-se, sendo a imagem conduzida num barco de pesca.
As actividades lúdicas foram crescendo. O arraial, os cantares à desgarrada e, mais tarde, a tourada agradavam a todos.
O brio dos organizadores, a disputa entre eles e a fama da romaria fizeram com que novas actividades fossem introduzidas: cabeçudos e gigantones em 1893, fogo preso em finais do século XIX, a Festa do Traje e a primeira parada agrícola, no início do século XX e o Cortejo Etnográfico, em 1933.
Hoje o programa contempla, para além das celebrações religiosas, manifestações cívicas, cortejos, desfiles, feira de artesanato, arraiais, ruas atapetadas de flores, concertos e muito fogo-de-artifício. A Romaria afirma-se, como festa municipal fundamentalmente desde os anos 30, coroando Viana, rainha e capital do Alto Minho.
6 de julho de 2009
O Rasto e o Rosto da Rainha Santa
Para completar estes escritos sobre Isabel de Aragão, diga-se ainda que era uma rainha muito culta, da qual se pode falar com conhecimento em muitas fontes escritas, pois deixou inúmeras cartas pessoais e documentos que comprovam a sua importante acção social, como seja a fundação de hospitais (como o de Leiria), de hospícios, albergarias e gafarias (como a de Óbidos).
Agora, sim, para terminar, acrescente-se uma curiosidade: o seu rosto chegou até aos nossos dias, tal como ela própria mandou esculpir no seu túmulo. Não é, portanto, obra da imaginação de artistas, como acontece com o da Rainha D. Leonor, esposa de D.João II, irmã de D. Manuel.
5 de julho de 2009
A lenda das rosas e outras
Porém, a mais conhecida é a que tornou num ícone de bondade, opondo as virtudes da rainha à crueldade do marido, elevada à categoria de Milagre e, pela primeira vez escrita em 1562, na Crónica dos Frades Menores:
"levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres,
Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,
Ela disse, levo aqui rosas.
E rosas viu el-rei não sendo tempo delas".
Muitas outras versões foram criadas pela imaginação
popular. Numas, as moedas são pão, noutras ouro, enfim, o que se mantém são as virtudes cristãs da rainha e todas estas versões são reivindicadas, simultaneamente, por Leiria e Coimbra.
Imagem retirada daqui. Peça de Rita Matias.
Nota: Os meus trabalhos sobre a Rainha Santa têm-se baseado na observação directa das festas que lhe são dedicadas, em entrevistas através das quais recolho lendas, na leitura do Cancioneiro, em Leite de Vasconcelos e em estudos de investigadores, dos quais relevo Maria Lourdes Cidraes e Maria Lucília Pires.
4 de julho de 2009
Da memória histórica ao mito
A Rainha Santa Isabel é, segundo os historiadores, uma das mais notáveis figuras femininas da nossa história e um mito popular e religioso que alcançou prestígio e fama a nível nacional.
Em vida, muitos factos contribuíram para que, logo após a sua morte, passasse a ser chamada “rainha santa” e as circunstâncias da sua morte também ajudaram.
Ela foi apaziguadora entre reis que estimulavam a guerra, reconciliou o seu marido com o filho Afonso, incentivou obras sociais, apoiou conventos e congregações religiosas. Acompanhou o marido na sua doença, tendo-o tratado ela própria e, no dia da sua morte, vestiu o hábito de clarissa. A seguir às exéquias foi, como peregrina, a Santiago de Compostela. Acabou por dedicar o resto da sua vida a obras de caridade.
Morreu a 4 de Julho de 1336, de morte súbita, quando se dirigia para a fronteira, numa tentativa de pacificação entre o filho, Afonso IV , e o neto, Afonso XI, de Castela.
Decisiva, para o início da construção do mito foi a transladação de Estremoz até Coimbra, que durou sete dias e sete noites, sempre acompanhada por uma multidão devota e entusiasta. Apesar do calor abrasador, o ataúde exalava um “tão nobre odor (que) nunca ninguém tinha visto”, conforme relata a sua primeira biografia, intitulada Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel, e seus bons feitos e milagres em sua vida, e depois da morte.
Esta bibliografia realça os inúmeros actos de devoção e de piedade cristã da rainha que, logo após a sua morte, recebeu manifestações de devoção. Assim se iniciou o culto e nasceu o mito.
(Agradeço a M. Lourdes Cidraes por todo o conhecimento que nos tem trazido sobre esta figura histórica e mítica)
2 de julho de 2009
Vivendo com a utopia
A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano, poeta uruguaio
13 de junho de 2009
Ausências
O acesso à internet era difícil, mas não impossível, por isso, não pode servir de desculpa.
Se alguma justificação fosse necessária, diria que o desejo não alimentou a vontade. Foi um tempo de olhar para as Festas do Espírito Santo na Ilha do Pico e de participar num interessante congresso - Sharing Cultures - International Conference on Intangible Heritage.http://sharing.cultures2009.greenlines-institute.org/accepted_abstracts.php
Agora regresso ao blogue e às notícias ignoradas, porpositamente, durante todo este tempo. Mas, ouvir, na Antena 2, pelas 7 e tal, Pedro Malaquias fazer a revista de imprensa diária, dá vontade de fazer o mesmo às 8 e às 9 e tal. É único este olhar crítico e irónico da leitura que faz das notícias a letra pequena dos jornais diários.
23 de maio de 2009
Caldas late night - Hábitos de Maio 12
A cidade mexe. Ouve-se música e burburinho durante a noite e no dia seguinte a festa continua na Rua da Montras. É um prazer andar na cidade durante estas noites!
Hoje, uma das varandas do meu bairro chamava a atenção por estar demasiado iluminada e, aparentemente, "decorada" da forma mais natural de uma varanda bairro: roupa a secar e cangalhada indecifrável, cá de baixo. A porta do prédio estava aberta. Um papel anunciava: aberto das 10,30-00,30. Um cartaz do Caldas late night identificava a iniciativa e uma música especial, vinda lá de cima, convidava a entrar.
Uma das coisas interessantes deste movimento é, precisamente, abrir as portas das casas a todos os que peregrinem pelos pontos animados pelos estudantes.
22 de maio de 2009
Aniversários - Hábitos de Maio 11
20 de maio de 2009
Dia da espiga antecipado - Hábitos de Maio - 10
A espera do Bom Verão - Hábitos de Maio 9
17 de maio de 2009
Na Região de Mafra - Hábitos de Maio - 8
1 de Maio - Rebolão (Malveira): manjar ritual sobre uma mó no cimo do Cabeço do Cerro, após o que a mó (pedra fêmea) era lançada Cerro abaixo (figurando o princípio masculino), com o objectivo de propiciar a fertilidade;
Visita das Fontes (Ericeira), com consagrações florais e ofertas de pão e trigo.
3 de Maio - Divina Bela Cruz (Póvoa da Galega): colocação de cruzes floridas nos campos.
O ritual de do dia 1 de Maio da Malveira assemelha-se ao que se passa em Monsanto (Idanha-a-Nova):
O cortejo dos habitantes sobe até ao castelo, encabeçado por mulheres que cantam e tocam adufes. Algumas delas
levam cestos floridos à cabeça, mas um deles é designado por "bezerro florido" e é atirado do alto dos penhascos, ribanceira abaixo. Diz a lenda que este bezerro simboliza um gesto de há séculos levado a cabo pela população que, enganou os invasores, atirando-lhes com um bezerro, fazendo-lhes pensar que estava com fartura suficiente para aguentar o cerco. Foi este gesto que os salvou, pois os invasores partiram em retirada, afirma a lenda.
De facto, o que se homenageia é, não só a fertilidade, mas também o desejo de abundância das sementeiras que se iniciam.
Foto de Afonso Alves in PORTUGAL, FESTAS e ROMARIAS, CIL
16 de maio de 2009
Presente de Maio
Uma memória de luz ou pequena dissertação sobre a Primavera
Uma tarde estava eu na Ilha de Murano
A ver o esplendor do fogo das forjas
De onde saem peixes, relógios e cavalos
Quando me lembrei da força da terra
Não da terra propriamente dita, o planeta
Mas a terra de onde viemos e nos espera
Terá sido porque tinha estado em Burano
E no caminho vi o cemitério de Veneza
Cruzando a força das rendas das mulheres
E das redes dos pescadores dessa laguna
Com a fragilidade das flores mais secas
Sobre as pedras com as datas e os nomes
Lembrei-me mais da Primavera nesse lugar
Onde a terra era tão escassa e o mar imenso
No sono dos pequenos barcos no nevoeiro
No sossego interrompido pelos navios de luxo
Que descem o Adriático ao som da música
Mais fria, pobre e triste que se pode imaginar
Lembrei-me mais do cortejo do trem do cuco
Quando as coisas mais velhas e mais feias
Enchiam todos os carros de bois em desfile
Por entre os risos dos homens de barrete
E a desaprovação das mulheres velhas à porta
Porque havia ali coisas ainda boas de servir
Lembrei-me mais das fogueiras antigas
Nessas noites de cortejo no nosso Largo
Onde o Pelourinho é memória de justiça
E os rapazes mais velhos não deixavam
Que os pequenos saltassem a fogueira
Porque tudo tem o seu tempo na vida
Lembrei-me mais da nossa primeira festa
Que era sempre no Domingo de Pascoela
No Lugar da Granja Nova onde eu ia a pé
E o primeiro arroz de ervilhas da minha avó
Com o coelho do meu avô e dos meus tios
Era comido pelos músicos à beira do rio
Lembrei-me das nossas procissões à tarde
Quando eu segurava a naveta do incenso
E o turíbulo tinha brasas da nossa lareira
Que o meu tio ia buscar sempre a correr
Porque tinha o casaco de músico para vestir
Tocava trompete e fazia falta na filarmónica
Lembrei-me mais das festas de arraial
As gasosas a subirem do poço num cesto
A frescura nada tem a ver com frigorífico
Quando o vinho tinto amolecia as cavacas
E só assim o menino que era eu as comia
A olhar o coreto rodeado de sol e de pó
Lembrei-me mais de eu ser tão pequeno
E toda a gente na família me dizia
Para me levantar cedo e eu falhava
Não sejas lapão não deixes entrar o Maio
Repreendia a minha avó todos os anos
Sem nunca me explicar esta sua fala
Lembrei-me mais de ir ao Vale de Água
Para trazer os vários ramos da Primavera
Para nós, para a Tia Velha, para a Ti Zabel
Será por isso que ainda hoje no Chiado
Há quem venda estes ramos a alto preço
E um vai logo para o meu neto em Londres
Será isso hoje a Primavera possível
Um ramo num envelope almofadado
Ingénua maneira de prolongar o tempo
Que flutua numa memória qualificada
Mas não existe na verdade no campo
Onde se vive o esplendor dos pesticidas
Afinal nem tudo se perdeu, nem tudo caiu
Como eu não percebia as falas da minha avó
O meu neto vai demorar a perceber o ramo
Que ele possa chegar ao Outono como eu
Com o fogo da Primavera no seu olhar
E uma memória de luz onde tudo continua
José do Carmo Francisco
15 de maio de 2009
Maio nas Caldas
O Museu Bernardo festejou à sua maneira, nas margens. Não esteve na Avenida, mas, na sua sede, ali perto, organizou um concerto com a famosa banda, The Wall que, enquanto o fogo de artifício decorria, festejou, estridentemente, os 20 anos da queda do muro de Berlim. Ao mesmo tempo os performers destruíam a golpes de picareta o muro que, como as margens comprimem o rio, também ele comprimia o Museu.
Depois fizeram-se as contas e sobraram muitos milhares entre os gastos da Avenida e os do Museu Bernardo.
14 de maio de 2009
Procissões e rogações em honra de Maria - Hábitos de Maio 7
Eles espiolharam as intenções dos que assistiam, eles escarafuncharam o mais possível na razão das promessas, eles viraram do avesso a fé e a devoção, tipo cães pisteiros.
Para o ano a notícia continua: "Faz hoje um ano que a procissão não passou pelo Bairro da Bela Vista ..." Já nem farão referência ao nome da Senhora. Pouco lhes importará referir este acontecimento com um dos hábitos de Maio - a dedicação deste mês,a Maria, prática importada desde meados do século XIX. Também pouco lhes importa reflectir sobre a Rainha da Paz porque para o ano a luta será outra. Mas fica aqui registado este nome que coroa Maria, na sequência do culto à Grande Mãe e às deusas que na Primavera eram festejadas.
13 de maio de 2009
Dia de Santa Cruz - Hábitos de Maio 6
12 de maio de 2009
Liljekonvalje - Hábitos de Maio 5
Mais uma informação dada pela minha amiga Agneta Bjorkman: Na Suécia as pessoas oferecem estas flores, umas às outras. São chamadas Liljekonvalje (lírios dos vales).
11 de maio de 2009
Majblomma - Hábitos de Maio 4
MAJBLOMMA
europeu de pôr à porta e nos campos, flores amarelas, para glorificar a Deusa Maya e dar as boas-vindas à Natureza florida, do qual resta a cor amarela, obrigatória no centro da flor, dado que a cor das pétalas mudam de ano para ano, mas nunca a da corola.
Devo esta informação à minha amiga Agneta Björkman que me disse ainda que se recorda de ver, no dia 1 de Maio, os carros enfeitados com Majblomma.
Também em Portugal esse hábito era frequente até, pelo menos, aos anos 70. Ainda hoje se colocam flores amarelas à porta. Nuns sítios usan-se giestas e noutros, maias. Teófilo Braga assinalou este costume em O Povo Português, Vol. II: "no dia 1º de Maio, colocam-se nas portas e janelas flores de giesta, prservativo contra o Maio, que sem ele aleijará os bacorinhos, pintos e anhos."
6 de maio de 2009
Maio Florido - Hábitos de Maio 3
2 de maio de 2009
Não casar em Maio - Hábitos de Maio 2
Na Antiguidade e em toda a Idade Média perpetuou-se a interdição de efectuar casamentos neste mês, dado que se corria o risco de ter como esposa um ser vindo do outro mundo. Esta ideia de ver o casamento amaldiçoado persiste em algumas regiões de Portugal, substanciada, por vezes em ditos como este, que diz respeito a Mafra: “Casamento em Agosto é desgosto! Casamento em Maio é estéril”.
Os ritos e mitos deste mês rodam à volta da vegetação e das flores. Há descrições de paradas, cortejos e desfiles onde os intervenientes usavam fatos e chapéus floridos e do costume de pôr flores, ou mesmo plantar árvores, à porta das pessoas que se queria obsequiar, na noite que antecede o primeiro de Maio.
Em França mantém-se o hábito de oferecer um ramo de pequenas flores brancas, o muguet, aos amigos, neste dia. Em Portugal é usual colocar maias às portas das pessoas e enfeitar os carros e os campos com esta flor.
Na religião católica, este mês é consagrado a Maria.
1 de maio de 2009
Acordar cedo - Hábitos de Maio 1
Em muitas localidades, ainda persiste este hábito, como por exemplo, em Óbidos e algumas das suas freguesias.
28 de abril de 2009
25 de abril de 2009
21 de abril de 2009
Memória afectiva das salinas do Arelho
19 de abril de 2009
Roubar Figos é coisa santa
Era um trabalho que demorava cerca de um mês, com mais de uma dezena de mulheres a correrem pelas valas, como formiguinhas, de gamelas à cabeça.
Felícia, hoje com 83 anos, filha de pais abastados, donos de terrenos e de animais, nunca trabalhou nas salinas, que era sítio para filhas de gente de menos posses. Mas trabalhou, e a sério, nos campos, a sachar e a mondar. Calcorreou bons quilómetros, para levar o jantar aos homens que trabalhavam à jorna. Ia, de madrugada, vender para a praça das Caldas. Regressava, a horas tardias, sem comer e, por vezes, montada no macho, a abrir caminho ao pai, não fosse aparecer a ladroagem e ficar com o dinheiro da venda.
Nunca trabalhou nas salinas mas lembra-se muito bem de se regalar com a paisagem , por isso, quando o pai lhe dava ordem para ir trabalhar para um terreno que proporcionava essa vista, até agradecia. Porém, na sua mente havia sempre um mistério indecifrável. "Este estafermo da figueira, meu pai - dizia ela - vale mais arrancar-se. Nunca dá figos! Ainda por cima também nunca se lhe vê flor! Nunca cumpre a obrigação de dar fruto! Isto é coisa que até assusta. Parece obra do diabo."
Seja como for, o que interessa para o caso é que Piedade, ela sim, trabalhadora nas salinas durante trinta e seis anos, muito tempo passado, desvendou o segredo da aparente infertilidade das figueiras.
18 de abril de 2009
A propósito de adivinhas e de ovos
16 de abril de 2009
Este ano o Turismo de Zagreb presenteou os habitantes da cidade e os veraneantes com este ovo pintado, segundo a tradição croata. Pisanica é o termo que designa estes ovos e significa "ovo cozido pintado". Agradeço, pois, estas informações que contribuem para estabelecer laços entre as raízes comuns da tradição europeia.
12 de abril de 2009
O ovo europeu
Os ovos continuam a fazer parte da simbologia pascal, mas agora em chocolate, ou cozidos e incrustados no folar. O chocolate só veio dar uma nova forma a um costume que vem de longe. O ovo era associado a lendas e mitos sobre a criação do universo, não só porque ele é a semente que contem o gérmen vital, mas também devido à sua forma, redonda, sem princípio nem fim. E a gema era associada ao sol, também ele fonte de vida. Ligado tão intimamente à vida, à regeneração, ao renascimento, ao vigor e, naturalmente, à Primavera, o ovo tornou-se num símbolo da Páscoa, em toda a Europa.
Na Europa Central, Ucrânia, República Checa, Hungria, Roménia e Croácia - os ovos são pintados e decorados, com signos e símbolos pascais ou primaveris.
Na Europa do Sul a decoração não é essencial ao rito. Eles aparecem muitas vezes só pintados de vermelho, em algumas ilhas da Grécia, como Rodes e Karpatos.
Em Portugal e na região mediterrânica fazem-se bolos onde se incrustam ovos inteiros cozidos com a casca. Em Portugal chamam-se folares, Campanile, na Corsega; Tsoureki, na Grécia;
La rosca de Pascua, na Calábria ou Muccelati e cannilieri. Estes bolos aparecem sob as mais diversas formas: corações, cavalos, vacas, peixes, porcos-espinhos, aves, águias e serpentes bicéfalas.
Serão estas diferentes representações apenas obra da fantasia e da imaginação?
A recorrência dos mesmos temas em diferentes partes da Europa faz com que duvidemos da simplicidade da resposta.
A serpente mítica da Sicília, por exemplo, encontra-se sob forma de escorpião na Calábria ou na Sardenha, e de lagarto, em Portugal e em Espanha, de dinossauro em Creta e de dragão na ilha de Karpatos. Como se, com a chegada da Primavera, todos estes seres arcaicos, saíssem do ventre da terra para figurar, de forma mais ou menos adocicada, a regeneração e a fecundidade.
As aves, nomeadamente, a pomba que também se vê aquando da Anunciação e do Pentecostes, são, evidentemente, os animais mais tolerados pela Igreja. E são também os mais frequentes. Por vezes a ave tem no bico um ramo de oliveira.
Em certos sítios, na quinta-feira santa, os rapazes recebiam um pássaro, um cavalo ou um dragão e as meninas recebiam uma boneca, em massa de pão, todos eles contendo um ovo. Mas estes meninos não podem comer os bolos, senão no dia de Páscoa. Na Grécia, levam-nos à igreja, no sábado santo, para os benzer… antes de serem comidas.
Em Portugal, poucas localidades mantêm o hábito de fazer folares em forma de animal. Castelo de Vide é um exemplo onde o costume se mantém.
9 de abril de 2009
Mãos de Tesoura
3 de abril de 2009
2 de abril de 2009
Vidas d'aqui - 3
De imediato procurou alguém com quem se pudesse entender, alguém com quem pudesse falar sem muitos receios, mesmo que em surdina. Começou pelo Café Central. Entrou. Entrou várias vezes. Sempre lendo no olhar e nos gestos de cada um. O que leriam? E as conversas, de que falariam?
Por portas travessas indicaram-lhe um contacto a não perder: O Dr. Custódio, um democrata. Foi assim que se iniciou nos contactos com gente de esquerda. E foi assim, penso eu, que foi conhecendo gente do PC.
As suas raízes estão no Barreiro, onde já tinha palmilhado muito caminho, apesar dos seus apenas 22 anos. Aos oito, em 1943, entraram-lhe pela casa adentro e levaram-lhe o pai. Tornou-se, então “ladrão e pai de família”, como dizia. O mesmo aconteceu com outros miúdos que ficaram sem pai, sem tios, sem primos e sem irmãos. As mulheres, diz ele, choraram durante toda a noite e num raio de 15 quilómetros era uma escuridão de carpideiras.
Por isso, aos 22 anos, já tinha passado por uma grande escola de vida e de violência. Diz ele que foi o Salazar que lhe entrou no quarto ou melhor, na sala, onde dormia com a avó. No dia seguinte era o único homem da casa. Assim se tornou chefe de família. E ladrão? Sim. Roubava-se o que se podia, para comer e para aligeirar as despesas e o fardo que a mãe, a tia e a avó tinham de transportar.
Por isso, Caldas era a continuação dessa aprendizagem.
A cidade parecia-lhe uma coisa minúscula, com uma população igual a quarto dos trabalhadores que entravam na CUF.
A colocação de um comutador na fábrica da SECLA, tarefa que lhe foi confiada, deu-lhe acesso aos artistas locais e a ceramistas como o Ferreira da Silva e outros. Foi assim que entrou para o CCC e que, juntamente com tanta gente interessante, o dinamizou.
Caldas da Rainha, 27 Fevereiro 2009
Ontem, 1 de Abril, morreu de pé, nas Caldas da Rainha.
27 de março de 2009
Amigos de Peniche 3
Mas temos uma resposta interessante de um médico penichense, a um colega seu que o picou, com uma pontinha de ironia, sobre o significado dessa expressão: "Olhe, meu caro, «amigos de Peniche» são uma cáfila de patifes que eu tenho encontrado por toda aparte, menos lá!..." (in Peniche na História e na Lenda de Mariano Calado, p.426).
26 de março de 2009
Amigos de Peniche 2
Ai! estes ingleses trazem cada trauma!
25 de março de 2009
24 de março de 2009
ESSES de Peniche
Um dos doces característicos de Peniche são uns biscoitos em forma de esses. Adquiria-os nas pastelarias mas hoje foi-me desvendado um cantinho chamado BOINA VERDE, situado numa das ruas estreitinhas que ladeiam a Câmara (só de peões), que os tem deliciosos e fresquinhos.Outras iguarias, como os pastéis de Peniche, e as queijadas também aí são confeccionadas.
Parabéns a esta diligente senhora que se rendeu à qualidade, em vez de se deixar seduzir pela avidez do lucro fácil tão usual na venda de gato por lebre.
23 de março de 2009
Andorinhas nas Caldas
22 de março de 2009
Homenagem aos trabalhadores da Bordalo Pinheiro
Respeito o anonimato, mas não posso deixar de alertar para olharem para as paredes, para as portas, para as janelas e para os bancos da cidade.
Elas andam por aí! E os artistas plásticos também.
(Foto de Nelson Melo)
21 de março de 2009
Vidas d'aqui - 2
Encontrámo-nos no seu atelier.
Não sei descrevê-lo como gostaria porque ela é que me prendeu a atenção. Tenho na memória quadros, muitos, suspensos nas paredes. Eram retratos de ruas, de homens de Peniche, do porto, de flores, de recantos, de mar, de gaivotas e dois de rendas. Num, estavam as suas mãos a rendilhar sobre a almofada coberta de bilros e de renda. Outro era um naperon pormenorizadamente pintado, juntamente com uns búzios.
Havia tintas, pincéis, livros, poemas e uma almofada de bilros, em execução.
Havia também rendas encaixilhadas. Uma árvore, a cores, com extensas raízes. Uma caravela. E mais, muitos mais trabalhos, mas não recordo muito mais porque ela é que me prendeu a atenção.
Disponível. Evitou atender pessoas e telefones. Falou de rendas, de rendilheiras, do trique-trique dos bilros e da sua aprendizagem, desde os seis anos de idade.
Conheceu as amarguras das mulheres de Peniche que, em algumas épocas do ano, sustentavam marido e filhos, à custa de noites e dias debruçadas sobre a almofada, sentadas no chão.
Conheceu as oficinas e as escolas de sujeição à disciplina rígida quais as crianças estavam sujeitas.
Tornou-se mestra. Ensinou muitas mulheres e hoje é um dos sustentáculos desta produção artística, pela forma como se envolve na sua manutenção, defesa e inovação.
Ontem enviou-me uma renda e uma poesia, ambas da sua autoria porque “a nossa renda de bilros é também poesia”.
E eu agradeço, divulgando e agradecendo quanto tenho aprendido sobre Peniche e o ensino das rendas.
como os bilros da almofada
e ao som do tric …tric
nasce em minha alma a alvorada.
brilham tanto os alfinetes
sobre o pique de açafrão,
que os seus pontos transparentes,
são nuvens de encantamento
que me enchem de emoção.
os bilros,
passarinhos esvoaçantes
deixam música no ar
em sons leves
sussurrantes,
aos ouvidos do luar.
Quem vê a renda surgir
tecida de leves fios
entrecruzados de esperança,
de marés vivas,
de sonhos,
de ondas brancas de espuma,
de sorrisos de crianças
embalados na maresia,
sobre o pique, na almofada,
verá por certo,
à tardinha
que, por milagre ou magia,
a renda de espuma branca
já não é renda,
“é poesia”
20 de março de 2009
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