25 de agosto de 2009

S. Bartolomeu, Quem é? - I

Mas afinal quem é este S. Bartolomeu, à sombra do qual se fazem estranhos rituais e que, pelo menos, dia 24 de Agosto, se livra do monstro que tem aprisionado aos pés e vai, em procissão, ao mar, aos riachos ou às fontes?
Segundo a liturgia católica, foi um apóstolo. S. João chama-lhe Natael ou dom de Deus. Era um seguidor de Jesus, culto e amigo de leituras. Preferia ler à sombra das árvores, especialmente da figueira.
No século XIII a lenda sobre o seu martírio expande-se por todo o mundo cristianizado. Esfolado vivo. Por isso, a sua imagem o representa com uma faca na mão e pela mesma razão é o patrono dos curtidores, dos carniceiros e dos encadernadores
[1].
Outra lenda diz que o seu caixão foi atirado ao mar e foi ter a Liparis, na Sicília, o que fez com que o vulcão que tanto atormentava a ilha se tenha afastado da costa
[2].
É representado com um monstro aos pés, tipo cão e por vezes monstro marinho, no qual o povo vê o diabo, acorrentado a uma das suas mãos. Na outra tem uma grande faca ou uma espada. Normalmente é feio. Com o tempo tem vindo a representar-se com um ar mais meigo, mas algumas das imagens antigas assustam. Gosta de galinhas pretas e tem fama de exorcista.
O S. Bartolomeu apóstolo é muito diferente do que o povo venera: o que cura o medo, as epilepsias e os distúrbios mentais; o que emprestava a faca cada vez que um enfermo era atacado por grande enfermidade e a deixava levar para casa[3].
Dizem que foi marinheiro e cultuam-no à beira da água.
Para Moisés Espírito Santo, “o São Bartolomeu português é o Poseídon grego reinterpretado pelo povo; o Poseídon popular dos antigos Pelasgos e dos Fenícios, o senhor dos mares, pai dos rios e antepassado de uma numerosa posteridade de marinheiros.
[4]
[1]José LEITE, S.J.,(Organização) - Santos de Cada Dia, Volume II, Maio-Agosto, Editorial A.O., Braga, 3ª Edição corrigida e aumentada, p. 572-573.
[2] VORAGINE, Santiago de – Leyenda Dourada, Vol II
[3] Na Silveira, concelho de Lajes do Pico, este hábito era comum, mas já entrou em desuso.
[4] ESPÍRITO SANTO, Moisés — Origens orientais da religião popular portuguesa : ensaio sobre a toponímia antiga. Lisboa : Assírio & Alvim, 1988, p.169-171.

24 de agosto de 2009

A Lavoura dos Cães

A 24 de Agosto anda o Diabo à solta com tanto escarcéu que, à sua passagem, levanta o vento em redemoinhos. É mais ou menos isto que se diz e é isto mesmo que acontece.
S. Bartolomeu é o seu guardião o ano inteiro, excepto no dia em que lhe concede esta liberdade de correr Portugal fora. As mulheres zeladoras das igrejas ou capelas em honra do santo têm o cuidado de abrir a porta desde o nascer do sol
até o dia acabar. Só à meia-noite vêm encarcerar, de novo, o monstro que S. Bartolomeu tem aos pés, preso por uma corrente. Mas o mafarrico sabe escolher a rota e não se deixa encantar pelas paisagens de interior, secas e áridas. Prefere o mar, os rios e os ribeiros. Em S. Bartolomeu do Mar (Esposende), a maléfica criatura cura as crianças gagas ou raquíticas que se banhem sete vezes nas ondas do mar e que, depois de passarem por baixo do andor de S. Bartolomeu, ofereçam galinhas pretas ao Santo. Em Cavez (Cabeceiras de Basto), a capelita mais ou menos isolada, enche-se de gente que, para curar quaisquer maleitas do foro psicológico, pega na pequena imagem do Santo e bate com ela na cabeça. A seguir, em procissão, atravessa-se a ponte e vai-se até ao riacho onde todos se aspergem com água da fonte sulfurosa. No Porto, a mesma coisa. Em cortejo alegórico a um tema previamente escolhido, as pessoas vestidas de papel, atiram-se ao mar e banham-se ritualmente.
De todos os S. Bartolomeu’s que conheço e de todos os rituais a que tenho assistido neste dia, o mais surpreendente é o do Rego (Celorico de Basto). Chama-se a Lavoura dos Cães e começa ao pôr-do-sol. Para os mais atentos, já terá sido estranho ver
S. Bartolomeu, em plena procissão, no seu andor, com um cigarro na boca[1]. Mas ver uma série de gente mascarada, andrajosa, desajeitada, armada de paus, a abrir caminho, empurrando os veraneantes, com bastante brutalidade é, mesmo para os useiros, motivo de surpresa, gritaria e espalhafato. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo que os gestos se tornam mais comedidos e até mais delicados, assemelhando-se de tão grande desatino – o semeador que, tanto atira as sementes ajeitadamente à terra, como as arremessa para cima da multidão. E finalmente uma junta de cabras atrelada a uma grade, como se andasse a gradar a terra.

Fotos de Afonso Alves
Simultaneamente, podem passar-se cenas menos ortodoxas. Os guias das cabras podem fazer espichar as postiças mamas com leite pelos espectadores. Estes podem atirar-lhes com líao lançar das sementes à terra. Mas a mascarada, os homens vestidos de mulheres, o desalinho e a algazarra continuam a surpreender, não só pelo inusitado, mas também porque se está num espaço sagrado, de festa. Pior ainda, quando irrompe uma figura toda mascarrada e desnuda assustando e correndo sem nexo, como um foragido. E quando o espectador ainda nem sequer teve tempo de se recompor, surge neste bizarro cortejo uma parelha de cães guiados por um mascarado, a puxar um pequeno arado de madeira, orientado por outro mascarado. Entretanto começa-se a perceber que os mascarados que apareceram em primeiro lugar têm por função arredar a assistência, fazendo da estrada palco e cenário da festa. E surge mais um elemento fundamental para a compreensão quidos mal cheirosos. Um padre que incorpora o cortejo benze a assistência com instrumentos e líquido suspeitos, um estranho casal de noivos vai-se pavoneando e o diabo não pára de fazer diabruras até que surge a figura de S. Bartolomeu, grande e imponente, procurando o diabo que, ao ser amarrado pela corrente que habitualmente o mantém acorrentado, se torna mais dócil.
O cortejo e o caos continuam noite dentro. Só o dia seguinte será um novo dia onde reinará a ordem, o trabalho e o ritmo do quotidiano, mas nada será igual. O tempo profano recomeça depois da ruptura que a festa e o ritual proporcionaram.







"S. Bartolomeu prende o diabo" - Foto de José Pedro, 2006











Foto retirada daqui:http://olhares.aeiou.pt/s_bartolomeu_prende_o_diabo_foto747398.html

[1] Ter-se-á perdido este hábito?

23 de agosto de 2009

Romaria de Nossa Senhora da Agonia

De FESTA NACIONAL DO MINHO a RAINHA DAS ROMARIAS DE PORTUGAL
Desde meados do século XVIII que a imagem de Nossa Senhora da Agonia é venerada em Viana do Castelo, a 20 de Agosto.
A primeira referência escrita ao culto de Nossa Senhora da Agonia data de 1744, mas a Romaria só nasce alguns anos mais tarde, por volta de 1823. Passou a movimentar tanta gente do concelho de Viana e de outras terras vizinhas, mas mesmo tanta gente, calculada, por exemplo, em 1862, em mais de 50.000 pessoas, que, em 1929, o Conde de Aurora, profundo conhecedor do Alto Minho, lhe atribuía o epíteto de A Festa Nacional do Minho. Já antes, em 1873, Pinho Leal escrevia que esta era “a mais concorrida” do Alto Minho e agora já é considerada a “ Rainha das Romarias de Portugal”.
Por efeito de réplica de grandiosidade, a de Lamego, em honra de Nossa Senhora dos Remédios passou a ser chamada de A Romaria de Portugal. Rivalidades à parte, estas são duas das grandes romarias que se fazem em pleno Verão. Como a de Lamego ainda há-se vir, lembro agora, a de Viana, que decorreu, de 8 a 23 de Agosto.
Mesmo antes da festa e da feira terem sido instituídas, já o povo se deslocava à capela da Senhora da Agonia em romaria, ansiando receber as indulgências que os papas e os bispos não se cansavam de atribuir a quem cumprisse com as condições impostas – assistir às missas celebradas em honra de Nossa Senhora da Agonia; rezar em determinados dias, tantas ave-marias, tantas salve rainhas ou tantos pai-nossos. Ao mesmo tempo pagavam as suas promessas e contribuíam fortemente para alimentar as obras que durante um século decorreram na igreja. O sal, as peças de vestuário, os cereais, o gado e o dinheiro que deixavam eram uma mais-valia para os construtores do templo.
Foi assim e com o decorrer do tempo que o culto de Nossa Senhora da Agonia ficou particularmente ligado à comunidade piscatória. A atestá-lo temos o número de ex-votos que aludem a milagres relacionados com o mar, com náufragos e com tempestades. Este aspecto torna-se mais visível no transporte do andor só por pescadores e no percurso que a procissão toma, privilegiando o bairro dos pescadores. É ainda factor relevante da quase “apropriação” do culto pelos pescadores, a procissão fluvial que desde 1968 passou a fazer-se, sendo a imagem conduzida num barco de pesca.
As actividades lúdicas foram crescendo. O arraial, os cantares à desgarrada e, mais tarde, a tourada agradavam a todos.
O brio dos organizadores, a disputa entre eles e a fama da romaria fizeram com que novas actividades fossem introduzidas: cabeçudos e gigantones em 1893, fogo preso em finais do século XIX, a Festa do Traje e a primeira parada agrícola, no início do século XX e o Cortejo Etnográfico, em 1933.
Hoje o programa contempla, para além das celebrações religiosas, manifestações cívicas, cortejos, desfiles, feira de artesanato, arraiais, ruas atapetadas de flores, concertos e muito fogo-de-artifício. A Romaria afirma-se, como festa municipal fundamentalmente desde os anos 30, coroando Viana, rainha e capital do Alto Minho.