10 de dezembro de 2012

A LHA DO CORVO DEU GENTE AO MUNDO

Muitos corvinos representam a sua ilha e as suas vidas como pobre e miserável, pelo menos, no passado. Muitos dos que a visitam reproduzem este padrão de miséria, para o exterior e constroem estes protótipos identitários que a comunidade passa também a aceitar.

Não me parece ser este um bom quadro para o desenvolvimento da ilha, embora compreenda, sem alguma vez ter experimentado, que a vida no Corvo era árdua. Trilhar carreiros íngremes, de madrugada, para tratar das vacas, com um almoço feito de leite e sopas, carregando uma ração para aguentar o corpo até escurecer, era fazer dos dias, verdadeiras jornadas de trabalho. Dizem-me com muita frequência que a ração era pobre - figos, pão, queijo, melancia e melão - e que a refeição da noite, a ceia, embora sendo a melhor, era sempre a mesma coisa. Pouco variava entre as sopas de leite e as sopas de feijão ou as couves de barça. Dizer que a vida era difícil não significa pobreza. Dizer que não havia dinheiro não quer dizer que as pessoas fossem pobres. Vivia-se de forma diferente da de hoje.

No Corvo produzia-se quase tudo o que era necessário para viver – milho, trigo, feijão, maçã, batatas doces e da terra, inhame e couves. Criavam-se galinhas e havia ovos. O galo, refeição ritual do Carnava, matava-se porque era menos produtivo do que a galinha que punha os ovos para fazer as tortilhas matinais e a massa doce. Em dias de festa, como o dia em que todos se deslocavam aos lagos para a tosquia – o dia da lã - havia uns rebuçados doces, os regelos, ou uns biscoitos escaldados.

Havia fartura em muitas casas. Matava-se 2 a 3 porcos por ano. Mas a vida era dura, pois era. Muito dura! Por isso muitos partiram e repartiram-se por terras e continentes. Trocaram a canseira de ir montanha acima suportando chuva e ventos agrestes pela saudade da terra a troco de águias com que, mais tarde puderam comprar terras na ilha onde nasceram ou fazer a sua casinha mais confortável. Muitos se distinguiram e deram muito ao mundo. Foi o caso de Carlos George Magalhães que chegou ao Chile no princípio do século XX para ir ter com um tio, oriundo do Corvo, que tinha uma livraria em Santiago. Tornou-se ele próprio o dono desta livraria e veio a ser o primeiro editor de Pablo Neruda. Foi o primeiro a acreditar no jovem poeta, a quem passou a chamar corvo, por o ver sempre vestido de preto. Carlos tinha uma saúde débil e por isso nem foi para os campos do Corvo, nem para o mar, à baleia. Aprendeu a ler com o pároco, como tantos outros rapazitos que, mais tarde, se distinguiram.
A ilha do Corvo teve (e tem) gente de mérito que cresceu e viveu, independentemente do selo de pobreza e miséria e abandono que muitos não cessam de lhe colocar.
Hoje o Corvo não é nada do mesmo. Já não é preciso produzir nem milho nem trigo, nem fruta. Vem tudo de fora. Há dinheiro. Há transportes. Há estradas. Há um Centro Cultural e painéis solares para que todos tenham água quente gratuitamente.
O Corvo não é o que era, pois não, nem as outras ilhas, nem o Continente.
O Corvo tem gente que se orgulha de ser corvino e que não troca a ilha por nada, como em todas as ilhas que conheço.

1 comentário:

Luis Eme disse...

olá, Teresa.

sim, ainda bem que se vive melhor hoje, embora haja quem nos queira empurrar novamente para a "miséria", por gostar dos portugueses, "pobretes e alegretes".