6 de julho de 2009

O Rasto e o Rosto da Rainha Santa

Em Portugal, as maiores referências à Rainha Santa, tanto no que diz respeito ao mito, como ao culto, encontram-se ao longo de diferentes eixos geográficos, identificados com percursos que a própria rainha fez. Um estende-se de Bragança a Coimbra e coincide com a entrada de Isabel de Aragão, em Portugal, para esposar o rei D.Dinis; outro estende-se de Lisboa a Coimbra, passando por Leiria, correspondendo ao caminho real medieval e continuando até Valença, dando seguimento ao caminho de Santiago de Compostela que a rainha fez como peregrina. Também Estremoz e Alenquer fazem parte desta rota, correspondendo, respectivamente, ao local onde a rainha faleceu e onde viveu. Por todos estes locais a rainha deixou memórias que contribuíram para criar uma auréola de santa, o que veio a culminar com a criação de um grande número de lendas e de sítios de culto. Na região de Leiria, Monte Redondo dedica-lhe uma festa anual, no mês de Julho. Em Ansião, terra, cujo topónimo, justifica a sua origem, numa lenda atribuída à Rainha Santa, tem quatro capelas e igrejas que lhe dedicam o culto, podendo até falar-se da rota da Rainha Santa. Também Odivelas, Amor (Leiria),Lumiar, Ansião, Almoster, Pataias, Cartaxo e Vila Flor, entre outras, justificam a sua toponímia em lendas etimológicas tendo por origem factos históricos, ou não, nos quais a Rainha é protagonista.
Para completar estes escritos sobre Isabel de Aragão, diga-se ainda que era uma rainha muito culta, da qual se pode falar com conhecimento em muitas fontes escritas, pois deixou inúmeras cartas pessoais e documentos que comprovam a sua importante acção social, como seja a fundação de hospitais (como o de Leiria), de hospícios, albergarias e gafarias (como a de Óbidos).
Agora, sim, para terminar, acrescente-se uma curiosidade: o seu rosto chegou até aos nossos dias, tal como ela própria mandou esculpir no seu túmulo. Não é, portanto, obra da imaginação de artistas, como acontece com o da Rainha D. Leonor, esposa de D.João II, irmã de D. Manuel.

5 de julho de 2009

A lenda das rosas e outras

As muitas lendas que se criaram à volta da Rainha Santa, embora reflictam a implantação popular do mito isabelino, são, muitas vezes, baseadas em relatos biográficos e cronísticos. Elas relatam feitos gloriosos e prodigiosos, sempre com a intervenção miraculosa da Rainha Santa, sendo, a das rosas, o elemento nuclear do mito e do culto. As prodigiosas, em número que atingem meia centena, sublinhe-se a do mausoléu que, ameaçado pelas águas do Mondego, dá um salto e põe-se, miraculosamente, em sítio seguro ou a das águas do Tejo que se apartam para deixar que a rainha vá junto do túmulo de Santa Iria. A nível mágico-terapêutico é de referir a da rainha lavadeira, segundo a qual as águas do rio onde a Rainha lavava os panos do hospital de Alenquer passam a ter eficácia curativa.

Porém, a mais conhecida é a que tornou num ícone de bondade, opondo as virtudes da rainha à crueldade do marido, elevada à categoria de Milagre e, pela primeira vez escrita em 1562, na Crónica dos Frades Menores:
"levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres,
Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava,
Ela disse, levo aqui rosas.
E rosas viu el-rei não sendo tempo delas".
Muitas outras versões foram criadas pela imaginação
popular. Numas, as moedas são pão, noutras ouro, enfim, o que se mantém são as virtudes cristãs da rainha e todas estas versões são reivindicadas, simultaneamente, por Leiria e Coimbra.

Imagem retirada daqui. Peça de Rita Matias.

Nota: Os meus trabalhos sobre a Rainha Santa têm-se baseado na observação directa das festas que lhe são dedicadas, em entrevistas através das quais recolho lendas, na leitura do Cancioneiro, em Leite de Vasconcelos e em estudos de investigadores, dos quais relevo Maria Lourdes Cidraes e Maria Lucília Pires.

4 de julho de 2009

Da memória histórica ao mito


É a 4 de Julho que se celebra a morte de Isabel de Aragão, esposa do rei D. Dinis. Este ano, por ser um ano ímpar, Coimbra não recorda a sua padroeira com a sumptuosa procissão que, de dois em dois anos, percorre as ruas da cidade.
A Rainha Santa Isabel é, segundo os historiadores, uma das mais notáveis figuras femininas da nossa história e um mito popular e religioso que alcançou prestígio e fama a nível nacional.
Em vida, muitos factos contribuíram para que, logo após a sua morte, passasse a ser chamada “rainha santa” e as circunstâncias da sua morte também ajudaram.
Ela foi apaziguadora entre reis que estimulavam a guerra, reconciliou o seu marido com o filho Afonso, incentivou obras sociais, apoiou conventos e congregações religiosas. Acompanhou o marido na sua doença, tendo-o tratado ela própria e, no dia da sua morte, vestiu o hábito de clarissa. A seguir às exéquias foi, como peregrina, a Santiago de Compostela. Acabou por dedicar o resto da sua vida a obras de caridade.
Morreu a 4 de Julho de 1336, de morte súbita, quando se dirigia para a fronteira, numa tentativa de pacificação entre o filho, Afonso IV , e o neto, Afonso XI, de Castela.
Decisiva, para o início da construção do mito foi a transladação de Estremoz até Coimbra, que durou sete dias e sete noites, sempre acompanhada por uma multidão devota e entusiasta. Apesar do calor abrasador, o ataúde exalava um “tão nobre odor (que) nunca ninguém tinha visto”, conforme relata a sua primeira biografia, intitulada Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel, e seus bons feitos e milagres em sua vida, e depois da morte.
Esta bibliografia realça os inúmeros actos de devoção e de piedade cristã da rainha que, logo após a sua morte, recebeu manifestações de devoção. Assim se iniciou o culto e nasceu o mito.

(Agradeço a M. Lourdes Cidraes por todo o conhecimento que nos tem trazido sobre esta figura histórica e mítica)

2 de julho de 2009

Vivendo com a utopia

NO CAMINHO DA UTOPIA
A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano, poeta uruguaio