Quando chega o dia 2 de Janeiro, ela conta a mesma estória o que, a mim, nada me incomoda. Oiço-a como se fosse a primeira vez e sei que, mais tarde ou mais cedo serei eu a contá-la.
Ela atravessava a estrada diariamente para ir de sua casa a casa da avó, enquanto pequenita, mas no dia 2, corria mais veloz e chegava mais cedo.
A avó cumprimentava-a sempre do mesmo modo. Olá, Nina, já cá estás? Ela respondia com frequência que não gostava que a avó a tratasse por Nina. Valia mais chamar-lhe Tareca, como faziam os tios, porque a achavam parecida com os gatos, devido aos seus olhos tão marcadamente verdes. A avó, sem dar grande importância ao comentário, replicava docemente que ela era a sua menina, a sua nina, e assim a chamava, para abreviar. E os dias continuavam quase sempre iguais, apenas interrompidos pelo ritmo das festividades ou das colheitas, quase sempre entremeado por um provérbio a condizer.
No dia 2 de Janeiro o diálogo era sobre o homem que ali haveria de passar "com tantas orelhas como o ano tem de dias". Esta frase era sempre, mas sempre dita desta forma, pela avó. "Nina, já viste aí passar o homem que tem tantas orelhas, como o ano tem de dias?". A neta ria e respondia que ele deveria estar a passar e que, por isso, era melhor irem ambas para a janela. E lá iam as duas ver passar os homens que iam pegar ao trabalho, ou na serração Madeca ou na oficina do Ferraz ou na Tijomel. Uns iam de bicicleta, outros a pé, mas nenhum de carro. Poucas mulheres se viam. E as crianças só apareciam, de batita branca e mala às costas, por volta das 8 e pouco.
E o tal homem, nada!
Entretanto chegava o padeiro, a buzinar, de bicicleta, com uns seirões, em verga, atrás, onde trazia o pão acabado de fazer.
E o tal homem, nada!
Mas não fazia diferença nenhuma, nem a uma nem a outra, até que ao fim do dia, ambas gracejavam em total cumplicidade: "Afinal o homem não teve tempo para passar por cá hoje. Esperamos para o ano".
E assim se tornava cíclico o tempo de espera pelo novo dia 2 de Janeiro, embora a 3, a avó desvendasse o mistério do homem que afinal tinha passado, ou melhor dos muitos homens que afinal por ali tinham passado porque nesse dia o ano só tem dois dias como, naturalmente, os homens todos. Excepção feita a alguns, como Van Gogh.
Foi assim que ela aprendeu a esperar e a simular o encantamento da surpresa das estórias, mesmo que já bem conhecidas. Também foi assim que conheceu Girassóis em Janeiro.
Hoje, dia 2, ela voltou a contar esta história e a desejar que, para o ano, possamos esperar, de novo, pelo homem que tem tantas orelhas, como o ano tem de dias.
Ela atravessava a estrada diariamente para ir de sua casa a casa da avó, enquanto pequenita, mas no dia 2, corria mais veloz e chegava mais cedo.
A avó cumprimentava-a sempre do mesmo modo. Olá, Nina, já cá estás? Ela respondia com frequência que não gostava que a avó a tratasse por Nina. Valia mais chamar-lhe Tareca, como faziam os tios, porque a achavam parecida com os gatos, devido aos seus olhos tão marcadamente verdes. A avó, sem dar grande importância ao comentário, replicava docemente que ela era a sua menina, a sua nina, e assim a chamava, para abreviar. E os dias continuavam quase sempre iguais, apenas interrompidos pelo ritmo das festividades ou das colheitas, quase sempre entremeado por um provérbio a condizer.
No dia 2 de Janeiro o diálogo era sobre o homem que ali haveria de passar "com tantas orelhas como o ano tem de dias". Esta frase era sempre, mas sempre dita desta forma, pela avó. "Nina, já viste aí passar o homem que tem tantas orelhas, como o ano tem de dias?". A neta ria e respondia que ele deveria estar a passar e que, por isso, era melhor irem ambas para a janela. E lá iam as duas ver passar os homens que iam pegar ao trabalho, ou na serração Madeca ou na oficina do Ferraz ou na Tijomel. Uns iam de bicicleta, outros a pé, mas nenhum de carro. Poucas mulheres se viam. E as crianças só apareciam, de batita branca e mala às costas, por volta das 8 e pouco.
E o tal homem, nada!
Entretanto chegava o padeiro, a buzinar, de bicicleta, com uns seirões, em verga, atrás, onde trazia o pão acabado de fazer.
E o tal homem, nada!
Mas não fazia diferença nenhuma, nem a uma nem a outra, até que ao fim do dia, ambas gracejavam em total cumplicidade: "Afinal o homem não teve tempo para passar por cá hoje. Esperamos para o ano".
E assim se tornava cíclico o tempo de espera pelo novo dia 2 de Janeiro, embora a 3, a avó desvendasse o mistério do homem que afinal tinha passado, ou melhor dos muitos homens que afinal por ali tinham passado porque nesse dia o ano só tem dois dias como, naturalmente, os homens todos. Excepção feita a alguns, como Van Gogh.
Foi assim que ela aprendeu a esperar e a simular o encantamento da surpresa das estórias, mesmo que já bem conhecidas. Também foi assim que conheceu Girassóis em Janeiro.
Hoje, dia 2, ela voltou a contar esta história e a desejar que, para o ano, possamos esperar, de novo, pelo homem que tem tantas orelhas, como o ano tem de dias.
1 comentário:
Em 2008 escrevi um post sobre uma coisa parecida: http://senhorasocrates.blogspot.com/2008/01/o-segundo-dia-do-ano.html
O meu pai dizia que era um homem que tinha tantos olhos quantos dias tinha o ano...
;)
Beijinhos!
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