27 de junho de 2010

O S. JOÃO DE MONFORTE DA BEIRA

S. João no coração, mas em casa não. É a opinião de uma mulher que participava na festa. A sua e a de muitos mais monfortenses. A despesa é muita e na trabalheira nem se fala. Mas outros, muitos também, sentem uma enorme felicidade por poderem “dar” o S. João, como resultado de uma promessa.

No dia 23 de Junho, por volta das 16 horas, a bandeira de S. João vem para a janela da casa do “alferes” que é quem nesse ano “dá” o S. João. A bandeira, recebeu-a do “alferes” do ano anterior e guardou-a durante um ano, em sua casa.

Dão-se vivas ao S. João, ao povo de Monforte, aos padrinhos e ao alferes. Toda a gente participa. Todos batem palmas e uma dezena de mulheres toca adufes e entoa quadras ao S. João. Uma concertina acompanha-as e o resto da população também canta o refrão com elas.

Com o “S. João à janela”, dá-se início a uma festa que durará 24 horas. Tendo por símbolo a bandeira, esta festa une toda a comunidade na partilha de bens e alimentos.

O festeiro tem um grupo de familiares e amigos a ajudar na tarefa da distribuição de comida e bebida a todos. Dá vinho e bolos aos que vêm dar vivas ao S. João e dá com gosto. Sabe-se, no entanto, que toda a gente da aldeia contribuiu para que a festa seja em grande, dando mantimentos e dinheiro. “Dá-se conforme a afeição que a gente tem pelo alferes e pela família”, garantindo, assim, o sucesso da festa no que diz respeito à partilha.

Por volta das 9 da noite desse mesmo dia 23, o povo volta a aglomerar-se junto à casa do “alferes” onde está a bandeira.

Vêm em burros, cavalos e éguas. Dezenas de burros e dezenas de cavalos e éguas, fazem mais de uma centena de animais que, em grande desordem, aguardam, em frente à janela do Santo.

A janela está bonita e iluminada. Dão-se os últimos retoques nos cavalos que devem estar enfeitados e coloridos.

Em Monforte tanto adultos como crianças montam cavalos e burros com perícia! Há grande algazarra! Os animais começam a impacientar-se e o vinho vai fazendo efeito nos que os montam. Há atropelos, correrias e exibição de artes equestres salpicadas por maliciosas destrezas.

Mas basta alguém começar a brandir a bandeira à janela para que os ânimos se acalmem. Uma rapariga rosada e forte agita-a fortemente e grita três vezes “Viva o S. João”, “Viva o Povo de Monforte”, “Viva o Alferes!” e “Viva a Bela Sociedade”. O Povo repete energicamente os vivas. E os cavalos agitam-se.

O alferes monta o seu cavalo e ostenta a bandeira. Dos lados perfilam-se os padrinhos; os que tiveram o privilégio de serem distinguidos pelo alferes, como seus amigos ou familiares mais íntimos, para ocuparem aqueles lugares no cortejo.

Às 22 horas todos estão a postos. Repetem-se os habituais “Vivas” e começa a cavalgada! A galope percorrem as ruas de Monforte. A galope até que o inesperado e a surpresa os obrigue a estancar frente a enormes fogueiras que se acendem pelas ruas. Assim “agarra-se” o S. João! Obrigam-se os cavalos a saltar ou a evitar a fogueira.

É um espectáculo feérico, entusiasmante e empolgante. Atrás dos cavalos correm os miúdos. À frente dos cavalos escapam-se os que acendem as fogueiras inesperadamente com rosmaninho, caruma e arbustos secos. No ar sobem as faúlhas e um cheiro a fumo perfumado. A aldeia enche-se de vida na noite iluminada pelas chamas das fogueiras.

Já tarde juntam-se, de novo, ao pé da casa do “alferes”. Nova distribuição de vinho e bolos dá mais energia a cavalos e cavaleiros. Começa o arraial até altas horas e continua o convívio.

No dia seguinte, dia de S. João, pelas 9 da manhã perfilam-se, de novo, cavalos e cavaleiros para, juntamente com o “alferes”, percorrerem as ruas, agora à luz do dia. As pessoas recebem o cortejo à porta, dando esmolas e atando fitas à bandeira de S. João. Estas dádivas são promessas, mas são também uma forma de ajudar à festa.

Depois da missa do meio-dia, o alferes dá uma farta refeição a amigos e familiares. Serve-se de tudo e com muita fartura. Fica caro fazer esta festa, dizem, mas ninguém perde com ela porque o povo dá tantos alimentos e dinheiro, que o “alferes” ainda fica a ganhar. “O povo dá conforme a afeição que tem por quem faz a festa”. Assim, ajuda-se o amigo a fazer boa figura e a ser bem visto.

À tarde a festa atinge o auge com uma empolgante e participada corrida de cavalos. Habitantes e forasteiros, a pé, de carro ou a cavalo, dirigem-se para a Devesa, um enorme terreiro que, nos arrabaldes, serve de pista à corrida.

Os mirones acotovelam-se e incitam os mais afoitos a iniciarem as corridas que se fazem em pares de dois, a cavalo, de burro e até, a pé. Cada um procura um adversário que não lhe custe muito a vencer, mas também ninguém quer passar pela vergonha de vencer, sem dificuldade. Outros procuram, propositadamente, o adversário com querem ajustar contas e não se poupam a grandes esforços para o vencer.

A população aplaude, faz apostas e elege os maiores da corrida. Além deste reconhecimento público, cada vencedor ganha um galo por cada corrida vencida. Quantos mais galos trazem, mais valentes são!

A festa acaba quando o “alferes” entrega a bandeira àquele que irá “dar o S. João” no ano seguinte. Dão-se vivas ao novo alferes e agradece-se ao alferes velho!
Monforte da Beira, 1997

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