Santuários da Idade do Ferro (três ou quatro séculos a.C.) subjazem onde, ainda hoje, são venerados santos protectores contra as mesmas maleitas que já afectavam longínquos antepassados. É o caso em Garvão, onde o actual culto de Santa Luzia, praticado nas imediações, se sobrepõe ao templo de uma divindade desconhecida que há mais de dois mil anos, e neste mesmo local, também se dedicava ao tratamento de doenças de olhos. Aliás, a maioria das aldeias e alçarias do Baixo Alentejo ocupa o local de povoados pré-romanos e de época islâmica, onde o velho poço e as mesmas hortas continuam a ser utilizados. (…) Tentando desvendar não só o tipo de povoamento, como os hábitos alimentares e a topografia simbólica do sagrado, localizámos, isso sim, os principais santuários e lugares de peregrinação, com oragos masculinos pré-islâmicos, ligados à pastorícia. Curiosamente, estas autênticas divindades regionais, sem referência na hagiografia oficial católica, como São Brissos e São Barão, são sintomaticamente esquecidas e substituídas pelo culto mariano no decurso do século XV, quando estas terras são integradas nas estruturas fundiárias da Ordem de Santiago. Em vez de tropas beberes desmobilizadas, que uma certa historiografia insiste, hoje ainda, em instalar no nosso meio rural, fomos afinal encontrar camponeses e pastores, que tinham sido sempre camponeses e pastores, uma sociedade perfeitamente estabilizada que se manteve intacta quase até à época contemporânea e cujo equilíbrio, apenas nas ultimas dezenas de anos está a ser posto em perigo.
Cláudio Torres, História, camponeses e Parques Naturais, pg. 74 in FALAS A TERRA – Natureza e Ambiente na Tradição Popular Portuguesa, Edições Colibri, Lisboa, 2004.
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