Cardadores - Vale d'Ílhavo - Foto de Afonso Alves
Os corsos carnavalescos são, segundo as televisões, a forma mais mediática de festejar o Carnaval. Ovar, Sesimbra, Mealhada, Loulé e Torres Vedras aparecem em todos os canais. Estas manifestações vão proliferando nas capitais de distrito que convidam as associações concelhias e os diferentes bairros para desfilarem, mas também em pequenas localidades, como, aqui tão perto, nas Gaeiras.
Potentes altifalantes vomitando música foleira transformam as cidades em espaços de onde só apetece fugir, mas as pequenas localidades não lhe ficam atrás. Hoje, Vale d’Ílhavo, por exemplo, abafou por completo o som das cardas dos cardadores e impedia qualquer diálogo entre os presentes, de tal forma o ruído musical era forte e estridente.
Nestes cortejos, o que é mais marcante é a crítica social e política e o desfile dos reis e rainhas, eleitos, designados ou, pura e simplesmente contratados e normalmente bem pagos para desfilar semi-desnudados, o que contribui para atrair multidões.
Esta prática é uma inversão total das raízes onde se inserem as tradições carnavalescas, o que me nada contribui para lhes retirar o brilhantismo que os responsáveis lhes querem dar.
Antigamente era eleito um bode-expiatório que assumia as culpas dos cidadãos e que, nesta época era escorraçado da cidade, libertando-a assim, de todas as faltas cometidas e restituindo-lhe o estado puro de que os cidadãos precisavam para continuar a viver. Na antiga Grécia o bode-expiatório, escolhido entre um mendigo, um prisioneiro ou um deficiente, era coberto de roupas solenes e percorria toda a cidade, para acarretar consigo todos os males e doenças. Se ainda há resquícios destas práticas entre nós, como a serração da velha, a queima do Judas, os testamentos e os roubos rituais, que se fazem em época carnavalesca, a eleição dos reis e das rainhas, não passa de outros tantos resquícios dessas práticas, mas agora, invertidas. Dá-se-lhes lugar de prestígio e honra, em vez de os escorraçar.
Assistimos também a uma prática recente que se generaliza. As escolas organizam os desfiles pelas vilas e cidades, institucionalizando o que antes era espontâneo. Mas também isso não tem importância nenhuma para a compreensão do carnaval e para a sua manutenção.
É importante frisar que nenhuma festa é imutável mas também nenhuma obedece a uma lógica cartesiana. Elas variam, modificam-se, adaptam-se e organizam-se diferentemente, segundo o tempo e o lugar.
As festividades hoje contêm memórias das crenças e de hábitos que lhes deram origem e que estão essencialmente ligadas à agricultura e à relação do Homem com a Natureza, mas, por vezes, transformam-lhes o sentido e elas passam a conservar apenas o aspecto plástico, sem o seu significado. É o que acontece hoje, com muita frequência.
Vem no decorrer desta perca de sentido, o uso do báculo com o sol e com a lua. O rei das Gaeiras apoiava-se num símbolo solar e a rainha, num lunar.
Aí temos os marcadores do dia e da noite e o desejo de ver aparecer, nesta altura, a luz que propiciará as sementeiras. No entanto, o seu sentido desapareceu.
Registe-se, no entanto, a sua presença.
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3 comentários:
Sempre gostei muito do Carnaval.
Estes posts são muito bonitos porque toda a gente fala da cópia abrasileirada mas esquecem que as tradições mais antigas ainda continuam vivas.
bjs
tens toda a razão, Teresa.
o postiço ganha ao expontaneo e todos ficamos a perder...
Estes corsos carnavalescos, como o que atormenta o centro das Caldas no Domingo e Terça-Feira de Carnaval, são apenas uma pobre e desajustada imitação do Carnaval brasileiro.
Seria seguramente possível incentivar, na nossa cidade, uma (ou várias)festas populares com mais significado com os cem mil euros que consta terem sido gastos em tão pobre espectáculo.
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