24 de fevereiro de 2009

Carnaval

Cardadores - Vale d'Ílhavo - Foto de Afonso Alves
Os corsos carnavalescos são, segundo as televisões, a forma mais mediática de festejar o Carnaval. Ovar, Sesimbra, Mealhada, Loulé e Torres Vedras aparecem em todos os canais. Estas manifestações vão proliferando nas capitais de distrito que convidam as associações concelhias e os diferentes bairros para desfilarem, mas também em pequenas localidades, como, aqui tão perto, nas Gaeiras.
Potentes altifalantes vomitando música foleira transformam as cidades em espaços de onde só apetece fugir, mas as pequenas localidades não lhe ficam atrás. Hoje, Vale d’Ílhavo, por exemplo, abafou por completo o som das cardas dos cardadores e impedia qualquer diálogo entre os presentes, de tal forma o ruído musical era forte e estridente.
Nestes cortejos, o que é mais marcante é a crítica social e política e o desfile dos reis e rainhas, eleitos, designados ou, pura e simplesmente contratados e normalmente bem pagos para desfilar semi-desnudados, o que contribui para atrair multidões.
Esta prática é uma inversão total das raízes onde se inserem as tradições carnavalescas, o que me nada contribui para lhes retirar o brilhantismo que os responsáveis lhes querem dar.
Antigamente era eleito um bode-expiatório que assumia as culpas dos cidadãos e que, nesta época era escorraçado da cidade, libertando-a assim, de todas as faltas cometidas e restituindo-lhe o estado puro de que os cidadãos precisavam para continuar a viver. Na antiga Grécia o bode-expiatório, escolhido entre um mendigo, um prisioneiro ou um deficiente, era coberto de roupas solenes e percorria toda a cidade, para acarretar consigo todos os males e doenças. Se ainda há resquícios destas práticas entre nós, como a serração da velha, a queima do Judas, os testamentos e os roubos rituais, que se fazem em época carnavalesca, a eleição dos reis e das rainhas, não passa de outros tantos resquícios dessas práticas, mas agora, invertidas. Dá-se-lhes lugar de prestígio e honra, em vez de os escorraçar.

Assistimos também a uma prática recente que se generaliza. As escolas organizam os desfiles pelas vilas e cidades, institucionalizando o que antes era espontâneo. Mas também isso não tem importância nenhuma para a compreensão do carnaval e para a sua manutenção.

É importante frisar que nenhuma festa é imutável mas também nenhuma obedece a uma lógica cartesiana. Elas variam, modificam-se, adaptam-se e organizam-se diferentemente, segundo o tempo e o lugar.
As festividades hoje contêm memórias das crenças e de hábitos que lhes deram origem e que estão essencialmente ligadas à agricultura e à relação do Homem com a Natureza, mas, por vezes, transformam-lhes o sentido e elas passam a conservar apenas o aspecto plástico, sem o seu significado. É o que acontece hoje, com muita frequência.
Vem no decorrer desta perca de sentido, o uso do báculo com o sol e com a lua. O rei das Gaeiras apoiava-se num símbolo solar e a rainha, num lunar.
Aí temos os marcadores do dia e da noite e o desejo de ver aparecer, nesta altura, a luz que propiciará as sementeiras. No entanto, o seu sentido desapareceu.
Registe-se, no entanto, a sua presença.

14 de fevereiro de 2009

S. Valentim

A 14 de Fevereiro comemora-se, não um, mas cinco santos que têm em comum o facto de se apelidarem Valentim. Só a um deles é atribuída a faculdade de ter escrito cartas de amor e, por conseguinte, é graças a ele que o comércio se enche de corações inflamados, que aos restaurantes afluem pares amorosos e que as floristas esgotam os stocks das mais belas rosas.
O S. Valentim, que repousa em Madrid, na Igreja de Santo António, cuja eloquência cupidiana terá seduzido os jovens apaixonados, é que reclama ser o “patrón de los enamorados” , conforme atesta o seu túmulo, onde se exibe a sua caveira.
Ora, não será por acaso que a caveira se torna o elemento mais ostentatório, pois sabe-se que tanto este mártir como todos os outros foram decapitados, tal como acontecia aos deuses que na Primavera eram decapitados, para em seguida ressuscitarem, como a natureza que floresce e renasce.
Inserir o culto a este santo em rituais de transição entre o Inverno e a Primavera é algo que se ajusta à compreensão da existência de um mito, que os rituais ainda sustentam.
A festa a S. Valentim tornou-se, hoje, numa festa urbana , alheia a qualquer iniciativa da igreja católica e mesmo à margem do meio rural. Porém, não será demais relembrar as práticas de enamoramento que ainda persistem como o dia das amigas (ou dos amigos), os acordos de parentesco, por exemplo de madrinhas e padrinhos, ou os contratos temporários de acasalamento, através dos “ganchos”.
“Queres ser meu gancho?”
E então, rapaz e rapariga, faziam um elo, uma argola, um gancho, como o dedo indicador das suas mãos direitas, enfiando um no outro, para selar o contrato . Mais tarde procedia-se ao ritual da troca de prendas.
No fim de contas, o importante é a ruptura temporal a que estes rituais obrigam, propiciando o encontro, o convívio e, porque não? Dando um ar mais florido e alegre às vilas, às cidades e até às nossas casas.

(texto ligeiramente adaptado do publicado no DN a 7 de Fevereiro)

Dia dos namorados

BELA D­ ‘AMOR

Pois essa luz cintilante

Que brilha no teu semblante
Donde lhe vem o splendor?
Não sentes no peito a chama
Que aos meus suspiros se inflama
E toda reluz de amor?

Pois a celeste fragrância
Que te sentes exalar,
Pois, dize a ingénua elegância
Com que te vês ondular
Como se baloiça a flor
Na primavera em verdor,
Dize, dize: a natureza
Pode dar tal gentileza?
Quem ta deu senão amor?

Vê-te a esse espelho, querida,
Ai vê-te por tua vida,
E diz se há no céu estrela,
Diz-me se há no prado flor
Que Deus fizesse tão bela
Como te faz meu amor.

ALMEIDA GARRETT

13 de fevereiro de 2009

Sexta-feira, treze

O número 13 deu que fazer à imprensa, às rádios e às televisões. Movimentaram-se todos para arranjar explicações para este dia azarento.
Procuraram rituais que alimentam a superstição, dando, assim, continuidade ao mito e incentivando o aparecimento de outros.
Não falaram no 12, nem no sábado. Ora o 13 azarento não existiria se o 12 não fosse visto como um número perfeito e a sexta azarenta, não existiria se não abrisse a porta para o Sabat.

9 de fevereiro de 2009

Os Gaidufa

Foto de Maximino Alves Martins
Ora se antigamente o gaiteiro acordava a aldeia, pela festa de Santo André, no Arelho, o que é que nos impede de voltar a ouvir o som da gaita de foles, logo pela manhã?, pensou Maximino.
O tocador que vinha dos lados de Torres Vedras já terá desaparecido, mas com um pouco de entusiasmo consegue-se cativar algum dos músicos das bandas. E conseguiu, em A-da-Gorda. Contratou o mestre e músico bem conhecido na zona, o Quitó. Deu-lhes o nome de GAIDUFA - Gaiteiros da União Filarmónica de A-da-Gorda e eles aí estão. Já actuaram na festa de Santo André e actuam sempre no Mercado Medieval. São três, a conta que Deus fez, dizem alguns, para darem um final feliz a uma boa e bem sucedida iniciativa.

S. Brás, em Montes, Trancoso

As mocas dos homens

"Homem que é homem – segundo ditos de outros tempos - tem de entrar com uma moca ao ombro, fosse ela grande ou pequena..."in Notícias de Vila Real, Fevereiro, 2007.
Fotos cedidas por RIBEIRO AIRES, a quem agradeço a gentileza.

5 de fevereiro de 2009

A sereia e a gancha do macaco

Dá cá o pito; toma lá a gancha
É um tema bem glosado aqui:
http://cocanha.blogspot.com/2008/01/dar-o-pito-para-receber-gancha.html
Agradeço a Zazie a oportuna observação.

S. Brás em Trancoso e no Brasil


S. Brás festeja-se numa pequena aldeia do concelho de Trancoso, Montes, tal como na Nazaré. Como refere o Notícias de Vila Real: "Homem que é homem – segundo ditos de outros tempos - tem de entrar com uma moca ao ombro, fosse ela grande ou pequena, preparada em casa ou arrancada no monte, ali à entrada do recinto, não fosse o diabo tecê-las, como noutros tempos, às vezes, acontecia, por «tralhas ou por malhas». Em Vila Real, substitui-se a moca por uma gancha, mas ambas vão dar ao mesmo: rituais de enamoramento e sedução, com a presença de símbolos fálicos.
Curioso é ver que no mesmo dia, na localidade de Trancoso, Bahia, Brasil, se festeja o mesmo santo e, note-se, com uma missa onde se benzem as gargantas.

4 de fevereiro de 2009

Ganchas de S. Brás

Ganchas de S. Brás é um chupa-chupa em forma de gancho que se vende na romaria de S. Brás, em Vila Real. Chupa-se este interessante doce que uns dizem ser a iconização do báculo de S. Brás, outros qcham que é um apetrecho para desentupir a garganta... já que S. Brás é o orago da garganta.

Mas este doce é também um presente que as moças oferecem aos moços que pela Santa Luzia lhes ofereceram os pitos. É um ritual de trocas que se inicia pela Santa Luzia, a 13 de Dezembro, e que agora se dá por concluido, precisamente quando termina o ciclo natalíco e começa o carnavalesco.

Rapazes e raparigas divertem-se com as ganchas, arrebitando-as para baixo ou para cima, conforme a intenção que preside à brincadeira.

Associado a este ritual há o facto de se cantarem umas quadras que condizem com estes gestos de sedução mútua:
Eu vou ao S. Brás
De cu para trás
Comprar uma gancha
pr'ó meu rapaz
Eu vou ao S. Brás
de cu para a frente
Comprar uma gancha
Pr'á minha gente

Eu vou ao S. Brás
De cu para o lado
Comprar uma gancha
Pr'ó meu namorado
(Foto retirada de um desdobravel distribuido pela Região de Turismo da Serra do Marão, da autoria de Juvenal Cardápio)

3 de fevereiro de 2009

Gargantua e S. Brás

Quis Rabelais que o seu gigante Gargantua nascesse no mesmo dia em que se celebra S. Brás.
A garganta de que S. Brás é protector ou a garganta de Gargantua é simultaneamente o lugar da palavra, o lugar da absorção dos alimentos, o lugar por onde circula o sopro vital e também o elemento que nos renvia ao lobo divino, ao homem-lobo que governa os ciclos do Tempo e as liturgias sagradas de Carnaval.
Não é por acaso que Rabelais fez vir à luz deste dia o seu Gargantua que, sem dúvida, está inscrito na tradição carnavalesca.

E não vos melindreis, ó vós que ledes,
Que nenhum mal contém, nem perversão.
É verdade que pouca perfeição
Salvo no riso, aqui podeis obter:
Outra coisa não posso oferecer,
Ao ver as aflições que nos consomem;
Antes risos que prantos descrever,
Sendo certo que rir é próprio do homem.
VIVEI ALEGRES.
3 (Rabelais, 1986 p. 39)

Carnaval da Nazaré

No dia de S. Brás, olha o Inverno que faz. Se está para a frente ou se está para trás.

S. Brás é festejado no campo, preferencialmente em bosques e pinhais, dado que ele é protector dos pastores, Senhor das chuvas e das águas, mas também preside às sementeiras da Primavera.
Por ter salvo uma criança engasgada, tornou-se protector das gargantas. E, por se ter refugiado numa caverna, tornou-se o interlocutor privilegiado dos animais.
S. Brás concentra uma série de motivos míticos essenciais para compreender o mito do Carnaval, desde o seu nome que, em bretão significa lobo, até ao facto de ter uma vida equiparada à dos animais selvagens, vivendo nessa caverna como o urso dos contos e das lendas.

Quem passar pela Nazaré, notará um frenesim pouco habitual em época invernia e aperceber-se-á que todos os caminhos vão dar ao monte de S. Brás. É, para alguns, um carnaval antecipado, mas para os Nazarenos é o início dos festejos. Só à noitinha regressam a casa, para logo a seguir, fazerem o primeiro dos quatro bailes obrigatórios, antes da terça-feira gorda.


S. Brás, Nazaré, 2007

2 de fevereiro de 2009

Natal acabado, Venha o Carnaval

Na noite de 1 para 2 de Fevereiro, precisamente 40 dias após o nascimento do Menino, fazem-se procissões com velas acesas (ou candeias), homenageia-se a Senhora das Candeias ou da Purificação e em muitos locais, como em Moura, come-se o boi do povo.
Segundo a mitologia cristã o Menino é apresentado no Templo de Jerusalém pelo santo velho Simeão, acto ritual de purificação da Senhora.
Durante a Idade Média estas procissões faziam-se pelos campos, num apelo à fertilidade e purificação da terra, que em breve receberia as sementes.
Fevereiro assinala o início das Lupercálias, em Roma e, segundo a mitologia celta, marca a festa de Imbolc, em honra da deusa celta Brígida,protectora dos rebanhos. Era nesta data que se celebrava o nascimento dos cordeiros e o regresso do leite das ovelhas.
Estas festas foram cristianizadas, mas os actuais rituais ainda deixam antever a importância do dispositivo mitológico antigo.
Esta data assinala também o meio do Inverno, daí adivinhações representadas em provérbios:
Se a Senhora das Candeias chora, está o Inverno fora;
Se a Senhora das Candeias ri e chora, está o Inverno meio fora;
Se a Senhora das Candeias rir, está o Inverno para vir.
Ou seja, se não chover o Inverno está para vir, se chover o Inverno já passou. Se estiver ora sol ora chuva, ainda aguentaremos mais uns diazitos de Inverno.