29 de setembro de 2008

DIAS de MELO (+1)


-Início dos anos 90. Dias de Melo com o sobrinho Raul Pedro, trabalhando sobre o livro Na Memória das Gentes-
«Ouvi gentes do mar que me falaram do mar e da terra, ouvi gentes da terra que me falaram da terra e do mar (...) Falaram-me da vida, delas e da comunidade, contaram-me contos, disseram-me versos (...). Optei por reunir neste Livro as histórias que ouvi e os diálogos que mantive com gentes predominantemente do mar - baleeiros, pescadores, marinheiros dos iates, das lanchas de tr[afico local, dos chamados barcos do Pico, das traineiras da pesca da albacora - (...) mais do que eu, os verdadeiros autores deste livro, (...) são eles, esses homens e essas mulheres do povo da minha Ilha.»
Dias de Melo in Na Memória das Gentes

DIAS DE MELO (+1)

"... se ouvirdes dizer a um homem que ande no mar (...) que não tem, que nunca teve, medo do mar, ficai vós sabendo que esse farsante ou é tolo ou não conhece o cerrado em que anda a lavrar (...) "
dizia Mestre António Espiga in A VIAGEM DO MEDO MAIOR de Dias de Melo
Chamaram-lhe escritor baleeiro.
Só o amor pelo mar e pelas gentes do mar o incitou a fugir à vigilância materna num bote baleeiro, aos 10 anos.
O mar foi sempre uma tentação. O mar e as gentes do mar. Sobre eles escreveu a vida inteira. Sobre eles e com eles falou a vida inteira.
A sua obra é incontornável para o conhecimento da ilha do Pico e da história da baleação.
Fez dos seus livros, NA MEMÓRIA DAS GENTES, uma arca preciosa de saberes e afectos. Aí registou estórias, narrativas e conversas que teve com as pessoas num trabalho que o levou a calcorrear todos os caminhos da ilha.

25 de setembro de 2008

O ESCRITOR BALEEIRO

Quando, há anos, visitei a Casa dos Botes, na Calheta de Nesquim, na Ilha do Pico, deixei-me surpreender pela legenda de uma foto: Escritor baleeiro.
Não resisti a saber quem era. Uma jovem aí presente, saíu da pequena Casa/Museu e, solicita e entusiasmada, apontou para o alto da escarpa e informou-me que a casinha minúscula que se via no topo era dele, do tal escritor baleeiro.
Não resisti a subir! Lá no alto, um lápide, esclarecia:
ALTO DA ROCHA DO CANTO DA BAÍA
Apreciei a vista sobre o mar e entrei por um minusculo portão, facilmente transponivel, com a ajuda de uma pequena tramela.
Cheirou-me a beleza e simplicidade.
Subi umas escadinhas caiadas de branco, bati e ouvi de imediato um "entre".
O homem estava numa salinha pequenina, rodeado de livros e fotos. Estava secrevendo. Interrompeu. Foi assim que iniciámos uma conversa que se transformou numa profunda amizade, que as cartas, conversas e frequentes encontros reforçaram.
Foi assim que conheci DIAS DE MELO, o escritor baleeiro, que ontem nos deixou.
Folheio, agora, o dossier onde guardo a sua correspondência e leio, e divulgo:
«... hoje estou como que morto e, e não fosse este empenho em escrever-lhe, com certeza ficaria o dia todo na cama a apodrecer.
... passamos a vida toda a escrever um livro... e outro... e outro... e mais outro... e outro ainda... E, afinal, é sempre o mesmo livro que estamos e nunca mais acabamos de escrever. Ia a dizer: acabamos: com a morte. Nem assim, pois que o grande livro nem o chegamos a começar.
Ou começamo-lo e acabamo-lo? Sim. Talvez. Se considerarmos que o único livro que escrevemos é a própria vida que vivemos.
Não estou a dizer nada de novo. Se não estou em erro, já o que acabo de proferir o li, não me recordo é em quem. Que há tabém uma outra grande verdade, penso que também a li em qualquer sítio (ou nem uma nem outra a li nem ouvi?), é isto:
Há coisas que, mesmo que venham doutros, nós só as alcançamos quando a elas chegamos pelos nossos próprios meios, ou em resultado da nossa própria experiência e, neste caso, podemos chamar-lhes nossas.» (24-02-2002)
Tantas lições recebi de ti, DIAS de MELO , tantas. Não vou esquecê-las. Não te esquecerei. Há pouco tempo passei pela tua casa do Pico. Parei. Passeei-me no pequeno quintal e fotografei-a:

24 de setembro de 2008

A propósito de vindimas

Um provérbio:

"Vindima molhada, acaba cedo e aliviada"


Uma cantiga:

Chora Bideira
Bós dizeis: Apart' áparta
O binho tinto do branco:
Tamén a mim m'apartaro
De quem eu gostaba tanto.
(bis)
Chora, bideira,
Ó bideirinha!
Chora, bideirinha,
Ó prenda minha!
A bideira sempre chora
Quando a corta o podador;
Também eu tenho chorado
Cun penas do meu amor
Chora, bideira,
Ó bideirinha!
Chora, bideirinha,
Ó prenda minha!
in Cancioneiro Popular Português


20 de setembro de 2008

VOU LER ...

"Ler é aconselhável no combate à inveja e ao mau-olhado. Tem-se revelado eficaz em casos de amor, dinheiro, saúde, emprego, casar, engravidar, afastar, separar, trazer de volta, atrair clientes, vender imóvel, comprar carro e outro."

16 de setembro de 2008

Pela estrada fora ...

Esta foto de Ivan Nunes vem mesmo a propósito da transcrição que faço de Patrícia Goldey in Rituais de Morte no Portugal Contemporâneo, pg.101.
«Embora muitos rituais comunitários tivessem desaparecido com ou sem a intervenção da Igreja, as pessoas ainda comemoram os mortos diariamente; há as alminhas -pequenos nichos pintados - e cada vez que uma pessoa passa por elas deve dizer um Padre-Nosso pelas almas do Purgatório; os cruzeiros e calvários que também evocam diariamente a morte, embora também tenham um significado político - a cruz no cimo do pelourinho define os limites do poder judicial, o território de uma igreja ou os limites de uma paróquia.
Os montículos de pedras nas collinas ou á beira da estrada sáo aí colocados, pera a pedra, por pessoas que passam e que oram por alguém que morreu num acidente ou de morte violenta. (...)
Deste modo, os habitantes das aldeias têm, no meio em que trabalham, elementos que os fazem evocar diariamente a morte.»

Na verdade, a morte, na aldeia, é vivida de uma forma mais próxima do quotidiano, do que nas cidades, onde se oculta cada vez mais a morte.

Agradeço ao Ivan Nunes a cedência da foto:
http://ex-ivan-nunes.blogspot.com/2008/09/um-aviso-feito-tempo.html

14 de setembro de 2008

CULTO DOS MORTOS

Diz ainda João Aguiar em LAPEDO - Uma Criança no Vale: «... pelo menos em certas regiões do país, o Natal tinha também um culto dos mortos; ora "no Alto Minho, para a ceia da consoada, punha-se um talher a mais na mesa, que se destinava à pessoa de família falecida em data mais recente, mesmo na cidade do Porto, em certas casas, dispõe-se numa sala à parte uma duplicação da ceia, destinada aos mortos (...)». (1)
Em Portugal vários estudos têm sido feitos sobre o ritual e o culto dos mortos. A título de exemplo, veja-se este:



(1) - pg. 109. João Aguiar cita Ernesto Veiga de Oliveira, Festividades Cíclicas em POrtugal, Dom Quixote, 1984.

13 de setembro de 2008

UMA CRIANÇA NO VALE

Não é de admirar que a descoberta da criança do Lapedo tenha levado João Aguiar a escrever este livro tão cheio de vivacidade, de informação e de alguma fantasia. A criança do Lapedo veio trazer novas questões aos arqueólogos nomeadamente no que diz respeito às teorias da ocupação da Europa, pelo Homem e da sua evolução. Quando algumas teorias asseguravam que o Neandertal se tinha extinguido na Europa, à época em que a criança do Lapedo viveu, vem este achado pôr em causa a sua extinção e levantar a questão da hipotética relação do Homo Sapiens (ou anatomicamente moderno) com o Homem de Neandertal.
Mas, depois de ter estado no Vale, junto da Ribeira da Caranguejeira e do abrigo onde a criança foi sepultada, há 24.500 anos, é o ritual de morte que envolveu esta sepultura, que gostaria de realçar. E passo a citar João Aguiar:
«A criança ao ser enterrada, recebeu oferendas.O seu significado exacto não é conhecido; apenas se pode dizer que elas traduzem, por um lado, a crença numa vida no Além e, por outro lado, uma atenção especial ao defunto. Uma dessas oferendas foi um coelho de tenra idade. Colocaram-no - já morto, evidentemente - atravessado sobre as pernas da criança, na região das tíbias.»
(...)
Terão sido também colocadas junto ao corpo duas peças de carne:
«Também neste caso das peças de carne de veado, não é possível reconstituir o seu significado preciso.Apenas se sabe que "é comum nas crenças das sociedades de caçadores-recolectores a necessidade de depositar comida com o morto,que geralmente se supõe ter simplesmente passado a uma etapa diferente do ciclo vital(1)". »
(...)
«A criança estava envolvida numa mortalha de material semi-rígido , mas não sabemos, de todo, se estava nua ou vestida.O que sabemos, porém, é que lhe foram colocados adornos, mais precisamente um colar e um diadema: o menino era, sem dúvida alguma, "bem amado" e "bem tratado", como afirmou Cidália Duarte (2).»
Os rituais de morte envolvendo crenças sobre a Vida e o Além atravessaram milhares (milhões) de anos e continuam a manter o Homem na esfera do humano. Eles contribuem para amenizar a dor dos que ficam, mas também para eternizar os que entram noutra etapa.

(1) - João Zilhão, A criança do Lapedo e as Origens do Homem Moderno..
(2) - Arqueóloga e antropóloga que estudou (e estuda?)o Vale e a criança do Lapedo.

8 de setembro de 2008

Ciência Viva no Canhão da Caranguejeira





Uns acharam presumíveis ossos outros, calcários com designações estranhas, outros imaginaram morcegos na gruta do Buraco Roto, outros seduziram-se com as folhas de acanto e eu surpreendi-me com as cascas de caracóis alinhadas ao longo das paredes do Buraco Roto, como se faz durante a procissão da festa de Nossa Senhora do Fetal. A toda esta diversidade de interesses atenderam, sempre solícitos, os nossos guias: Sofia, Filipe e Saul.

CIÊNCIA VIVA - Lapedo, fontes e nascentes

Filipe, Sofia e Saúl

Depois de ver o Lapedo, onde foi descoberta a criança ali sepultada há 24.500 anos, as nascentes do Liz e as grutas do Reguengo do Fetal, com a ajuda do olhar do Saúl, do Filipe e da Sofia, jamais olharei o Universo da mesma maneira. Jamais contarei os anos de a.C a d.C. Jamais esquecerei o significado de Grácico, Cretácio, diapirismo e outros termos que ouvi repetidamente ao longo desta sessão de CIÊNCIA VIVA que começou em Leiria, pelas 10 da manhã, e terminou por volta das 18, depois de uma entrada iniciática no Buraco Rôto.

O Saúl, jovem geólogo acabado de formar, apesar de bombardeado pelas imensas perguntas dos participantes, nenhum deles com formação em geologia, acabou o dia sorridente e nós, satisfeitos, bem dispostos e muito gratos. O Filipe e a Sofia, também eles geólogos e jovens, foram óptimos condutores do grupo, sempre oportunos a dissolver resquícios de dúvidas que pudessem ficar.
Parabéns a este grupo, parabéns aos promotores desta iniciativa que vem, de uma forma lúdica, acrescentar tanto conhecimento sobre o espaço onde vivemos e que pisamos todos os dias sem nos apercebermos das suas transformações ao longo de milhões de anos.

6 de setembro de 2008

O NÚMERO SETE NO JOGO TRADICIONAL


«Sept correspond aux sept jours de la semaine, aux sept planétes, aux sept degrés de la perfection, aux sept sphères ou degrés célestes (...).
CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain - Dictionnaire des Symboles, p.860/861.

Neste jogo, descrito em Sabores, Cheiros e Comeres Regionais de Mafra, as crianças não podiam ter mais de sete anos - o limiar.
Sete anos, era também a idade com que as crianças podiam ingressar na escola, num novo patamar das suas vidas, outro limiar:
«Sept comporte cependant une anxiété par le fait qu'il indique le passage du connu à l'inconnu: un cycle s'est accompli, quel sera le suivant?» CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain - Dictionnaire des Symboles, p.861.

5 de setembro de 2008

CIÊNCIA VIVA na NAZARÉ e as sete saias das Nazarenas


Fui a uma sessão da Ciência Viva, atraída pelo título - Milagres da Geologia no Sítio da Nazaré. E não me arrependi! A jovem geóloga, de seu nome Laura e Nazarena "dos sete costados" deu informação e mais informação... com termos eventualmente desconhecidos, para pessoas que, como eu, nada sabem sobre geologia, mas fê-lo de uma forma tão entusiasta e com uma simplicidade tal, que captou a nossa atenção e a mim, ensinou-me imenso.

Venho a este assunto porque a Laura (suponho ser geóloga na Câmara da Nazaré) que se veste de Nazarena, de vez em quando, demonstrou como é fácil e prático usar este traje, o que muito nos surpreendeu! Entre outras coisas "não é preciso usar carteira porque temos a alzebêra", dizia ela, com o propósito de adulterar o vocábulo. E, pegando nas sete saias dos trajes expostos no Museu, ia enfiando a mão em cada uma das aberturas laterais até chegar à tal "alzebêra"... bem escondida e só atingível pela portadora do traje.

Então não é que comecei a associar o gesto e as palavras da Laura ao mito da Descida aos Infernos de Istar de que fala Moisés do Espírito Santo? A deusa, para entrar nos Infernos, teve de passar por sete portas, "arquétipo dum mistério iniciático de morte-ressurreição em sete passos, graus ou segredos", tantas quantas as saias da Nazarenas. Resquícios do culto a esta deusa?
(Foto de TeresaPerdigão - A LAURA)

3 de setembro de 2008

ISTAR OU ÍSIS EM ALJUBARROTA

Em CINCO MIL ANOS DE CULTURA A OESTE - Etno-história
da Religião Popular numa Região da Estremadura
, Moisés do Espírito

Santo faz derivar os cultos a Santa Teresa, à Senhora das Areias e à Senhora da Luz, da região de Aljubarrota, do mito babilónico mencionado por Descida de Istar aos Infernos.

Diz a lenda que estas Senhoras apareceram a mulheres que haviam perdido uma chave e que a procuravam desesperadamente ou, dizem as pessoas, que a chave que Santa Teresa tem na mão é a chave do inferno onde ela foi para resgatar o filho.
MES acrescenta que "Este mito de uma Senhora que tem a "chave" do inferno, e que lá foi para resgatar o filho, apesar da sua extrema simplicidade, é um achado de grande importância para a compreensão etnológica da religião nesta região do Litoral.
(...)
Aqui, em Aljubarrota, o mito da Descida aos Infernos ficou reduzido ao mínimo; mas já é surpreendente que este vestígio inconfundível e a chave da imagem tenham sobrevivido a tantos séculos de convulsões culturais e doutrinais." (p.136)
Em seguida, MES faz uma descrição e análise deste mito - Descida de Istar aos Infernos.